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Beirutes de Brasília

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Ele fez a nota como sendo um prato de camarão e duas águas - Unsplash
Ah, e tinha muitos bares bons, que, além de serem bons, eram frequentados por gente boa. 

Durante a ditadura fui a Brasília algumas vezes, a trabalho, e não gostava de lá. A cidade era ainda relativamente nova e árida, a vegetação não tinha crescido, e naquele tempo tinha muita gente grossa, ruim de se conviver.

Anos depois, fui morar lá, e acreditem: gostei. A vegetação tinha crescido e havia árvores frutíferas nas ruas, muitas árvores. Na quadra em que eu morava inicialmente, tinha mangueiras e abacateiros, e qualquer pessoa podia colher mangas e abacates. 

A avenida principal da cidade, chamada Eixão, tinha pés de fruta dos dois lados, achava uma maravilha. E com o fim da ditadura, o padrão humano tinha melhorado muito. Havia muita gente legal, boa de se conviver. 

Ah, e tinha muitos bares bons, que além de serem bons eram frequentados por gente boa. 

Mas voltando às primeiras vezes que fui a Brasília, o bar mais recomendado pelos amigos era o Beirute, ponto de jornalistas, artistas e não sei que mais. 

Logo depois da ditadura, durante o governo Sarney, fui lá a trabalho mais uma vez, e a Célia, minha namorada, aproveitou um fim de semana prolongado por feriado para ir lá. 

No início da noite de sábado, fomos ao Beirute. Pretendíamos jantar lá, mas ficamos bebendo vodca e cerveja e comendo tira-gostos e, a fome foi embora. Ficamos nessa. 

Pedi então uma nota fiscal para ser reembolsado pelos patrões, mas avisei ao garçom que não podia constar bebida alcoólica, que a empresa não pagava. 

– Escreva “despesa” e o valor total – pedi.

O garçom disse que não podia. O governo estava controlando os preços, e os bares e restaurantes eram obrigados a discriminar 
tudo o que foi consumido, com os respectivos preços. Acabou-se aquele negócio de colocar “despesas” na nota.

Pedi então:

– Veja um prato que dá o valor da nota e coloque como se eu tivesse comido isso...

Ele voltou com a nota, eu olhei e falei:

– Ô, cara, você quer que eu seja demitido?

– Por quê? – ele perguntou,

– Olha aqui... Você colocou que eu comi nove caftas e um contra filé... Quem come tudo isso? Ainda mais sem beber nem uma água... 

– Você disse que não podia pôr bebida – ele chiou.

Expliquei:

– Não podia pôr bebida alcoólica. E quem come tanto?

Entramos num acordo. 

Ele fez a nota como sendo um prato de camarão e duas águas. 

Mas fiquei impressionado com a “inteligência” do garçom. 

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos