Ah, e tinha muitos bares bons, que, além de serem bons, eram frequentados por gente boa.
Durante a ditadura fui a Brasília algumas vezes, a trabalho, e não gostava de lá. A cidade era ainda relativamente nova e árida, a vegetação não tinha crescido, e naquele tempo tinha muita gente grossa, ruim de se conviver.
Anos depois, fui morar lá, e acreditem: gostei. A vegetação tinha crescido e havia árvores frutíferas nas ruas, muitas árvores. Na quadra em que eu morava inicialmente, tinha mangueiras e abacateiros, e qualquer pessoa podia colher mangas e abacates.
A avenida principal da cidade, chamada Eixão, tinha pés de fruta dos dois lados, achava uma maravilha. E com o fim da ditadura, o padrão humano tinha melhorado muito. Havia muita gente legal, boa de se conviver.
Ah, e tinha muitos bares bons, que além de serem bons eram frequentados por gente boa.
Mas voltando às primeiras vezes que fui a Brasília, o bar mais recomendado pelos amigos era o Beirute, ponto de jornalistas, artistas e não sei que mais.
Logo depois da ditadura, durante o governo Sarney, fui lá a trabalho mais uma vez, e a Célia, minha namorada, aproveitou um fim de semana prolongado por feriado para ir lá.
No início da noite de sábado, fomos ao Beirute. Pretendíamos jantar lá, mas ficamos bebendo vodca e cerveja e comendo tira-gostos e, a fome foi embora. Ficamos nessa.
Pedi então uma nota fiscal para ser reembolsado pelos patrões, mas avisei ao garçom que não podia constar bebida alcoólica, que a empresa não pagava.
– Escreva “despesa” e o valor total – pedi.
O garçom disse que não podia. O governo estava controlando os preços, e os bares e restaurantes eram obrigados a discriminar
tudo o que foi consumido, com os respectivos preços. Acabou-se aquele negócio de colocar “despesas” na nota.
Pedi então:
– Veja um prato que dá o valor da nota e coloque como se eu tivesse comido isso...
Ele voltou com a nota, eu olhei e falei:
– Ô, cara, você quer que eu seja demitido?
– Por quê? – ele perguntou,
– Olha aqui... Você colocou que eu comi nove caftas e um contra filé... Quem come tudo isso? Ainda mais sem beber nem uma água...
– Você disse que não podia pôr bebida – ele chiou.
Expliquei:
– Não podia pôr bebida alcoólica. E quem come tanto?
Entramos num acordo.
Ele fez a nota como sendo um prato de camarão e duas águas.
Mas fiquei impressionado com a “inteligência” do garçom.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Douglas Matos