O voto contrário ao marco temporal dado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes naquela quarta-feira, dia 7 de junho, não foi o suficiente para aliviar a tensão de comunidades indígenas do Paraná que veem nessa pauta a garantia de preservação de suas vidas e territórios.
Em todo o estado, de acordo com levantamento do Conselho Indigenista Missionário da região Sul (Cimi Sul), 36 aldeias podem ser afetadas caso a tese seja aprovada. O número representa 68% de todas as 53 comunidades existentes no Paraná, atingindo os povos Guarani, Kaingang e sobretudo o Xetá, dizimado na época da chamada “marcha para o oeste”, e do qual só restaram oito sobreviventes.
Para lideranças dessas comunidades, a pauta desconsidera as remoções forçadas e genocídios em nome da colonização sofridas anteriormente à Constituição. “O marco temporal é uma máquina de moer a história”, definiu o cacique Fernando Lopes, da tekoha (aldeia) Pyahu, de Santa Helena, retomada no ano de 2018 por descendentes diretos de indígenas expulsos da área que hoje dá lugar ao lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu, e que não é demarcada.
Marco temporal
A ameaça do marco temporal surgiu de uma vitória do povo indígena de Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima, no ano de 2009, quando o STF decidiu que os indígenas tinham direito à terra pois estavam lá na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A partir disso, passou-se a questionar a validade de outros territórios em detrimento desta data.
Antes disso, já tramitava no STF a legalidade da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, requerida por agricultores e pelo governo de Santa Catarina. A acusação enunciava que o local não seria tradicional, por não estar ocupado em 5 de outubro de 1988. Esse caso ainda está em votação e seu resultado terá repercussão geral, ou seja, servirá de base para análise e julgamento de outros territórios indígenas em processo de demarcação.
A última votação do marco temporal ocorreu em 7 de junho, deixando o placar em dois votos contrários à tese, sendo eles do relator do caso, ministro Edson Fachin, e do ministro Alexandre de Moraes, e favorável a ela o voto do ministro Nunes Marques. O processo só não foi continuado no dia porque o ministro André Marques pediu vistas e por isso ainda deve ser retomado.
Paralelo a esse julgamento, a Câmara dos Deputados, sob a liderança do deputado federal Artur Lira (PP-AL), e pressionado pelas bancadas ruralistas e representantes do agronegócio, pediu urgência na votação do Projeto de Lei (PL) 490, que acabou aprovado por 283 votos contra 155, e que trata do mesmo tema.
O texto foi proposto pelo então deputado Homero Alves Pereira no ano de 2007, seu primeiro ano como deputado federal. Pereira faleceu em outubro de 2013, mas na época da propositura estava no partido PPS e representava o Mato Grosso (MT). Na sua apresentação como candidato, em 2006, consta o serviço de pecuarista como função exercida, além de ter sob posse pelo menos três terras no MT – juntas, elas somavam 8.329,8958 hectares. Além disso, o deputado aparecia no quadro de sócio administrador da empresa Sementes Planalto, de cultivo de arroz, criada em 1990 (hoje a empresa encontra-se em situação inapta por omissão de declarações).
Ao propor o PL, ele justificou que muitas vezes as demarcações ultrapassavam os limites da política indigenista, avançando sobre interesses ligados a propriedades privadas. “Embora esteja amparada na Lei 6.001/73, a Funai vê-se compelida a exercer seu juízo discricionário sobre questões complexas que extrapolam os limites de sua competência administrativa”, diz a justificativa que acompanha o projeto.
Posteriormente, esse PL, conforme explica a advogada indígena Lucia Fernanda Inacio Belfort Sales, conhecida como Fernanda Kaingang, teve substitutivos feitos pelo deputado Arturo Oliveira Maia, incluindo no texto a questão do marco temporal.
“Isso já vem a ser um substitutivo daquilo que tinha sido proposto inicialmente com o PL 490, que era basicamente retirar do poder executivo da Funai, do Ministério da Justiça, a demarcação das terras, e transferir isso para o Congresso Nacional, onde a maioria, que é a bancada ruralista, impediria qualquer tipo de demarcação”, explica a advogada.
Agora, o texto tramita no Senado sob número 2930, ao mesmo tempo que tramita no STF. Indígenas, no entanto, contestam que em nenhum dos casos foram ouvidos sobre as pautas que, se aprovadas, trarão um cenário catastrófico, impactando suas cosmovisões e existência.
Paraná indígena
Quando o cacique Fernando diz que o marco temporal é uma máquina de moer a história é pelo fato da tese desconsiderar ações que promoveram remoções forçadas e até o genocídio de povos indígenas anteriores à Constituição.
De acordo com o doutor em História e professor de História Indígena da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Clovis Antonio Brighenti, e que trabalha com população indígena desde 1988, a ocupação indígena no estado do Paraná vem de quatro mil anos atrás, com os Xokleng e Kaingangs, que migraram do Centro Oeste do Brasil para a região Sul, ocupando territórios nos três estados: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Já os Guaranis, segundo o historiador, vieram da Amazônia, da mesma forma que os Xetá. A datação da presença desses povos vem de 2500 anos e, a partir da chegada ao estado, passaram a se distanciar das tradições do povo do norte, criando características próprias.
Essas informações, aponta Brighenti, são respaldadas em estudos de linguística e arqueologia.
História revela remoções
Com o avanço da colonização do estado, os territórios onde habitavam os indígenas passaram a entrar em disputa. Foi nesse contexto que o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a, hoje, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai, antigamente denominada Fundação Nacional do Índio) passaram a atuar não pelo povo a que deveriam defender, mas sim em prol dos colonizadores.
“Eu diria que o SPI e a Funai contribuíram, em especial, para dizimação desse povo com o regime tutelar”, avalia Brighenti. “Por que regime tutelar? Porque o regime tutelar, criado em 1916 no Código Civil, dava a responsabilidade ao Estado para aplicar a tutela dos indígenas e esse regime, em vez de ser um regime que favoreceu a proteção e a defesa, foi utilizado para exploração dos territórios, redução dos territórios indígenas, exploração dos recursos naturais em territórios indígenas e na proibição dos indígenas de se manifestarem contra as atrocidades cometidas tanto pelo SPI quanto pela Funai”.
Genocídio Xetá
Ao analisar os povos de maior prevalência no estado, Guarani, Kaingang e Xetá, o historiador aponta que este último, que habitava a região de Guarapuava, Pinhão e Umuarama, viveu a maior tragédia e está em maior risco diante da iminência do marco temporal.
Segundo Brighenti, o povo foi contatado na década de 1940 e o extermínio veio tão rápido quanto o encontro da comunidade. “Nesse período histórico, o processo de colonização foi muito rápido e muito violento, não dando margem para formas de resistência, a não ser tentar individualmente sobreviver, fugindo e se estabelecendo em outros locais”, relata.
“Nessa dimensão, se pode dizer que os Xetás foram os mais afetados por essa política do Estado brasileiro de não defender os direitos das populações. Porque qual era a obrigação do SPI nesse período? Assim que contatado o grupo, o SPI deveria ter ido ao local e deveria ter regularizado, demarcado o território e defendido o território desse povo. E o SPI fez justamente o contrário. Ele foi para o local, autorizou a invasão, tomou as crianças que existiam na região e repartiu, como se fossem animais de estimação, distribuiu entre servidores, fazendeiros e entre outros indígenas para que cada um criasse, numa inumanidade absurda”, conta o professor.
De acordo com o relatório da Comissão Estadual da Verdade do Paraná, no capítulo Graves Violações de Direitos Humanos Contra Povos Indígenas, desse contato, restaram apenas oito sobreviventes.
O pai e o avô de Dival da Silva, hoje com 52 anos e que no nome xetá chama-se Itakan, fugiram pela mata, passando ao longo do tempo pelas terras indígenas de São Jerônimo, Laranjinha, reserva Pinhalzinho (onde nasceu Itakan), Queimadas, retornando depois disso a São Jerônimo. Hoje, este local abriga uma comunidade mista de 30 famílias kaingangs, guaranis e xetás.
Das memórias do pai, que já morreu, Itakan lembra da fuga de Umuarama. “Meu pai saiu com sete anos do mato junto com meu avô, ele lembrava malemal, mas disse que a invasão foi com arma de fogo, violência contra as mulheres e tirando o povo do mato com caminhões”, conta. Alguns desses caminhões, segundo o relatório da Comissão Estadual da Verdade, levavam crianças indígenas sequestradas para serem distribuídas.
Foi o pai de Itakan quem quis fazer um processo de retomada do território original, mas a dificuldade em encontrar os parentes impedia a comunidade de ter forças para isso. Em 1992, a partir do trabalho de uma antropóloga, foi possível fazer um encontro de alguns xetás, mas a luta pelo território original hoje está nas mãos do marco temporal e o povo vem se mesclando a outros, deixando às novas crianças o direito de escolher se serão Guaranis, Kaingangs ou Xetás, colocando em xeque sua sobrevivência.
Hoje, parte das terras que eram de origem Xetá, segundo relatório do De Olho nos Ruralistas, ficam na Fazenda São Francisco, no pequeno município paranaense de Ivaté, na região de Umuarama. A fazenda tem 2.679 dos seus 4.000 hectares incidindo na TI Herarekã Xetá, que aguarda a delimitação pela Funai desde 2014. Devido à ocupação ruralista, sobrariam apenas sete hectares do território ancestral. O resto dá lugar a pasto, lavoura de café e plantio de cana para produção de etanol.
A fazenda, conforme o relatório, está em nome da empresa Santa Maria Agropecuária Ltda – pertencente aos sócios Rubens Aguiar Alvarez e Lia Maria Aguiar – e da Concialpa Participações e Comércio Ltda – também de Rubens e Lia, mais Denise Aguiar Alvarez. Rubens e Denise são netos do fundador do banco Bradesco, Amador Aguiar, e Rubens integra o conselho de Administração desde 2021.
“Nossa luta está na Justiça, porque a gente não tem condições de fazer a retomada”, aponta Itakan. “O povo é muito violento, bem armado, não dá para encarar frente a frente. Agora estão com essa história da Constituição de 1988. Mas como a gente estaria nessa terra se a gente foi expulso e correndo risco de vida?”
De acordo com o procurador da república Raphael Otávio Santos, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná, “a falta de um território”, para os xetás, “pode, sim, contribuir para a extinção da etnia”.
Remoções forçadas pela Itaipu
Outro povo que preocupa o procurador são os guaranis localizados no Oeste do Paraná, porque “o problema é agravado por falta de acesso integral a outros direitos, como alimentação adequada, moradia, educação, saúde, entre outros” – causados pela não demarcação do território.
A situação que deixou este povo à mercê da falta dos direitos básicos nasceu entre as décadas de 1940 e 1960, quando o SPI e a Funai não garantiram a proteção dos Guaranis, sobretudo em Guaíra, devido aos colonos que queriam se apossar de suas terras.
O relatório da Comissão Estadual da Verdade aponta: “Além dos conflitos violentos, foram as grandes epidemias que atingiram grupos indígenas estabelecidos nas tekohas (aldeias Guarani) da região, havendo grande número de mortos na década de 1940. Essas mortes ocorreram em quantidade significativa atingindo principalmente crianças na Colônia Guarani e Jacutinga.”
Depois, foi o início da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, sob o regime militar, que colocou em xeque a sobrevivência desses povos. A área hoje alagada era pertencente ao povo Guarani, que se estabeleceu às margens do Rio Paraná há 2,5 mil anos.
O que aconteceu foi que, para ocupar e alagar as terras, era necessário retirar os habitantes dali e garantir indenização e um novo território aos que ocupavam originalmente o local. Nisso, assistiu-se o primeiro duro golpe dado pela Itaipu, sobretudo às comunidades indígenas, uma vez que, em laudos fraudulentos, elas não foram incluídas como posseiras, assim esquivando a hidrelétrica de indenizar esses grupos e realizando remoções dessas comunidades para “terras prometidas”, mas que eram pedregosas e incapazes de abrigar as famílias e suas tradições. A indenização em si ficou para agricultores, estes sim incluídos como reais posseiros em seus relatórios.
De acordo com documentos da época, disponíveis no Sistema de Informação do Arquivo Nacional, buscou-se entre Estado, Itaipu e mesmo os órgãos indigenistas, como a Funai, minimizar a presença indígena na localidade a fim de criar meios para manter o poderio da empresa sobre o território sem precisar arcar com a responsabilização dos indígenas que viviam ali.
Com laudos arrastados para a identificação das comunidades, que a cada ano possuíam um número diferente de população, sobretudo pela característica dos Guarani em ser um povo migratório, buscou-se a realocação das comunidades, que não agradou aos indígenas. Entre os territórios para os quais foram levados estão localidades nas regiões de Foz do Iguaçu, Santa Helena, Terra Roxa, Guaíra, além dos que, por conta própria, seguiram para o Paraguai e Mato Grosso do Sul, separando-se dos seus parentes.
Em documento disponibilizado no acervo do Sistema e Informação do Arquivo Nacional (Sian), há uma carta escrita pelos guaranis no ano da inundação do lago, datada de 5 de fevereiro de 1982, em que se mostra a relação desses povos com o território e o medo que possuíam devido à abrupta mudança de local orquestrada pela Itaipu:
“A Funai e a Itaipu fez proposta pra nossa gente de dar 20 hectares de terra em Santa Helena (PR) e mais 80 hectares a Faixa de Segurança de represa em troca das nossas terras que vão ficar embaixo da água. Nós achamos que não ia dar pro guarani aceitar isso porque como é que nossa comunidade vai poder viver nesses 20 ou nesses 100 hectares? Porque nós somos mais de 20 casal, e com muitas famílias E também não dava pra o guarani aceitar porque nossa terra sempre foi desde o Jacutinga até o Rio Ocoí, e vai da estrada de Foz para Santa Helena, no lado que o Sol levanta, até o Rio Paraná, no lado que o Sol se esconde. Então como é que o guarani vai trocar tudo isso com os 20 ou com os 100 hectares da Itaipu?”, diz trecho do documento.
Ao final do período de construção da hidrelétrica de Itaipu, em 1982, a usina inundou uma área de 135 mil hectares. Entre indígenas e não indígenas, mais de 40 mil pessoas foram removidas. Estudos indicam que apenas no lado brasileiro, em uma extensão que vai de Foz do Iguaçu a Mundo Novo (MT), cerca de 770 km² de terra foram alagadas. Somadas, as três reservas legais demarcadas ao povo Avá Guarani possuem 2.236 hectares. Outras 24 aldeias não demarcadas integram a luta dos Avá Guaranis desterrados pela usina, sendo cinco no município de Santa Helena, duas em Itaipulândia e as demais nas cidades de Guaíra e Terra Roxa.
Assim, em outubro de 1988, parte dessas comunidades buscava um território, uma vez que foram forçadas a deixarem seu espaço em nome do progresso. Essas retomadas se estenderam por anos no Oeste paranaense. Hoje, a região possui um conglomerado de tekohas que dá nome a Terra Indígena Guasu Guavirá, entre terra Roxa e Guaíra, fora as que estão em Santa Helena e Foz do Iguaçu.
Só na última sexta-feira (16) é que a Itaipu fez o reconhecimento histórico sobre essas violações e disse aguardar um Grupo de Trabalho (GT) para indenizar as comunidades. Apesar disso, com a tramitação do marco temporal, a indenização não garantirá o território dos indígenas.
Cacique Ilson Soares, da tekoha Y’vhoty, não esconde sua preocupação e ainda chama de retrocesso o PL que tramita no senado e o processo do STF. Sua tekoha fica em Guaíra e vem de comunidades expulsas de onde hoje é o lago da Itaipu. Pelo território não ser demarcado (o processo tramita no TRF4 devido a uma ação do município de Guaíra), a comunidade convive com diversas violências e racismo, que, na visão do cacique, podem se agravar se a tese for aprovada.
“Porque se essa tese do marco temporal finalmente virar uma lei, então a gente não vai mais ter o direito da demarcação da terra. A gente já não vai mais ter o direito garantido. A gente vai sofrer de novo despejos. Até porque ele estabelece um marco, um tempo, e é uma coisa, pra nós, impossível de ter uma comprovação de ocupação territorial estabelecida nesse marco de tempo. A gente não tem como provar, até porque era uma época que a gente já tinha sido despejado, tinha sido escravizado, tinha sido expulso, as terras já tinham sido vendidas, então a gente vai ter essa grande dificuldade”, diz.
O cacique conclui: “Aqui em Guaíra mesmo falam que não tinha índio, que começaram a aparecer depois de 2000. Mas não levam em conta que esse grande território já foi habitado. Não é que não levam em conta, é que eles negam esse processo, principalmente da colonização. Negam a existência das comunidades no período de colonização, nesse período que veio do período militar. Então não consideram isso. Por isso vemos com muita tristeza que nossos direitos estão indo por água abaixo”.
De Santa Helena, o cacique Lino Cesar Cunumi Pereira, da tekoha Tape Jere Guarani, de Santa Helena, que integra a Comissão Yvyrupa, conta que muitos caciques ficaram desesperados com o avanço da tese na Câmara dos Deputados. “Os ruralistas vieram fortemente para destruir, mas eu acho que não vai ter aprovação do marco temporal”, pondera. “Anteriormente mataram muito índio. O pensamento deles é isso, mas não vai acontecer. Vamos continuar lutando juntos”.
Inconstitucional e violento
É de consenso entre os indígenas ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato Paraná que impor uma data para marcar sua terra é desconsiderar a história que os fez migrar em busca da sobrevivência.
Esse olhar também tem respaldo de representantes da Justiça e da história, que fazem um consenso sobre a inconstitucionalidade da tese e a forma como ela ignora os contextos vividos pelos indígenas em regimes autoritários que usaram armas contra arcos e flechas.
O procurador Santos aponta que o entendimento da tese do marco temporal “opõe-se ao próprio conceito de direito originário à posse, conforme o primeiro parágrafo do artigo 231 da Constituição Federal”.
Fernanda Kaingang também conclui pela inconstitucionalidade da tese e lembra que o Brasil é signatário de tratados internacionais, como da Organização das Nações Unidas (ONU) pela proteção dos povos originários.
“O que se deve considerar é que a tese do marco temporal ignora as razões pelas quais os povos indígenas não estavam no território em 1988, e que em geral tem a ver com esbulho, com remoção forçada, com genocídio, expropriações, muitas vezes por agentes do próprio Estado. Então a tese do marco temporal é inconstitucional. Ela fere cláusulas pétreas. Ela deveria consultar os povos indígenas que seriam afetados e eles não estão sendo consultados. Uma vez sendo consultados, o resultado da consulta deve ser acatado", diz a advogada.
Ao analisar o Paraná, o professor Brighenti faz a conclusão de tamanho impacto para todos os povos com presença no estado: “O marco temporal impede que os indígenas recuperem suas terras. Porque a maior parte das comunidades aqui não estavam sobre as terras em 1988. E por que não estavam sobre as terras? Uma parte dos Guaranis não estava sobre suas terras porque as terras deles estavam alagadas pela Hidrelétrica de Itaipu, que nunca indenizou essa população. Os Kaingangs da mesma forma: eles eram tutelados, não podiam se manifestar, não podiam entrar na Justiça, eles não podiam reclamar. Então, para o Paraná, o marco temporal atinge em cheio a possibilidade de recuperação de algumas terras. São poucas terras, mais do que eles têm hoje, mas numa projeção sobre o estado, representa cerca de 1% do estado do Paraná, o que é uma fração mínima para terra indígena. Mas mesmo assim, com o marco temporal, eles não conseguiriam 0,4% do estado, eles não conseguiriam recuperar essas terras esbulhadas. Então, para os indígenas do Paraná, o narco temporal é extremamente violento, como foi o processo colonial.”
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini