Acompanhei a implantação e acompanho (quando paciência e tolerância permitem) as sessões da CPI do MST, “destinada a investigar a atuação do grupo Movimento Sem Terra, do seu real propósito, assim como dos seus financiadores”.
Dúvida sobre “reais propósitos” do MST em 2023 que justificam a quinta criação de uma CPI? Talvez, mais pertinente, seja esclarecer os reais propósitos da CPI do MST. Pois desde seu surgimento, propósitos e financiadores aguçam a imaginação de políticos e de jornalistas. E lá vem a lembrança da pesquisa que realizei nos anos 1990 para a tese de doutorado. Ela se chamou A terra e o texto: campos em confronto.
:: Entenda por que quando o MST faz uma ocupação não é o mesmo que invasão ::
Lá (uns 20 anos atrás) como agora fica evidente a centralidade da questão agrária no Brasil, como os donos da terra têm representação na política brasileira e como garantem o tom da cobertura jornalística. O propósito real da CPI do MST é claro: mais um esforço para criminalizar o movimento e já podemos até prever o teor do relatório final ensaiado nas sessões pelo relator, não por acaso Ricardo Salles, o ex-ministro do Meio Ambiente que propôs aproveitar a pandemia para passar a boiada.
Na CPI de 2023 a terra e o texto seguem em confronto, assim como a posição de uns e outros segue marcada pela escolha de uma palavra: Invasão ou Ocupação? E lá vou eu ao encontro da querida professora Maria Aparecida Baccega que não se cansava em exemplificar com estas palavras, ao ensinar que os vocábulos não são neutros nem imparciais e que expressam a visão de mundo do falante. Ela escreveu:
“Os lexemas invadir e ocupar promovem conotações completamente diferentes sobre o sentido da ação dos sem-terra. Invadir carrega semas como tomar aquilo que não me pertence, já ocupar nos indica semas como estar em lugar devoluto. O elemento espacial - a terra - e os pontos de vista ideológicos sobre ela, dão sentido para uma ou outra.”
:: Famílias do MST ocupam fazenda que já foi utilizada para exploração e tráfico de mulheres ::
Terra: Espacialidade + Ideologia
Invadir
Existe um obstáculo legal
Este obstáculo é vencido
Vencer, significa aqui transgredir
A transgressão permite punição
O ato – invadir – é ilegal
Ocupar
não há obstáculo
trata-se de algo desocupado
não há transgressão
não pode haver punição
o ato – ocupar – é legal
Portanto, legalidade e ilegalidade estão na base do confronto vinculado à ação em relação à terra e, também, na escolha das palavras que os parlamentares usam na CPI do MST, na cobertura jornalística e nas decisões judiciais.
Ao optar pela palavra invadir o sujeito escolhe um signo que preserva o conceito de propriedade privada, em que o sem-terra encontra-se na ilegalidade e ao ouvinte/leitor é oferecida uma pista de leitura em que a transgressão tem autorização para ser punida.
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Caso opte por ocupar, ele estaria sustentado pelo conceito de propriedade social da terra, em que não é ilegal ocupá-la se está sem uso e a ilegalidade se encontraria na ação da repressão, ao destruir acampamentos, prender acampados, matar para realizar uma desocupação.
Essa é a quinta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que o MST enfrenta. Ele perde, pelo simples fato de a CPI ser aprovada, pois confirma para a população que o MST merece ser investigado. E perde porque pela repetição dos discursos na CPI e na cobertura jornalística, a população acompanha a opinião política/midiática e repete que o movimento é ilegal e violento.
Nosso desafio é pela informação interromper a repetição que já está no nível da saturação e mostrar o MST que produz e tira da miséria milhares de brasileiros.
Ocupação é legal! O MST ocupa a terra para produzir!
* Christa Berger, jornalista, mestre em Ciências Políticas, doutora em Ciências da Comunicação, foi professora-pesquisadora nas faculdades de Comunicação da PUCRS, UFRGS e Unisinos. Autora da biografia Jurema Finamour – a jornalista silenciada, A terra e o texto: campos em confronto, e organizadora do livro O jornalismo no cinema.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko