Em pouco tempo o russo Yevgueny Prigozhin, líder mercenário e paramilitar do Grupo Wagner, passou de ser arma secreta do governo Putin a uma de suas potenciais ameaças. Nesta sexta (23) e sábado (24), a tensão entre o grupo e o Kremlin ganhou ares prévios de guerra civil.
Depois que o exército russo supostamente atingiu as bases do grupo Wagner, os mercenários iniciaram o que chamaram de “marcha pela justiça”, tomando instalações militares na cidade de Rostov e se direcionando para Moscou. O presidente russo, por outro lado, implementou uma operação antiterrorista no país e disse que “esmagaria" a rebelião.
Os ânimos se acalmaram, ao menos temporariamente, quando a partir de uma mediação feita pelo presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, o líder do grupo Wagner recuou, ordenando que suas tropas “voltassem às bases”. Os combatentes já estavam a 200km da capital da Rússia.
De acordo com a agência RIA o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, anunciou que Prigozhin está a caminho da Bielorrússia e que, como parte da negociação, o processo criminal por motim que havia sido aberto contra ele e os demais mercenários seria arquivado.
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Pequenos crimes, buffet de luxo, aliado de Putin
Os 62 anos de vida de Yevgueny Prigozhin já dariam um filme mesmo antes dos acontecimentos recentes. Nascido em 1961 em São Petersburgo, quando a cidade ainda se chamava Leningrado, ele foi criado pela mãe, Violetta Prigozhin, o padrasto e a avó. Aos 18 anos foi pego assaltando pela primeira vez e, na segunda, não escapou da prisão, onde viveu por nove anos.
Solto em 1990, ganhou a vida no ramo dos jogos de azar e dos alimentos. Passou da venda de cachorros-quentes com sua mãe no mercado de pulgas de Aprahaka a gerente da Contrast, a primeira rede de supermercados em São Petesburgo.
Em 1995 abriu um restaurante, o Old Customs House, e pouco depois outro, o New Island, que flutuava sob as águas do rio Neva. Os estabelecimentos se tornaram ponto de encontro de importantes políticos do Kremlin. Entre eles, o então prefeito da cidade, Anatoly Sobchak. Dali, contatos e negócios lhe deram ascensão veloz. Prigozhin criou o grupo Concord, que oferece buffets de luxo em eventos institucionais e se tornou muito próximo de Vladimir Putin.
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O FBI, a polícia federal estadunidense, acusa Prigozhin de “conspiração para defraudar os Estados Unidos” por, segundo o órgão, ele ter participado de ações que prejudicaram a atuação do Comitê Federal de Eleições, do Departamento de Justiça e do Departamento de Estado entre 2014 e 2018.
Grupo Wagner
Foi neste ano de 2014 que ele fundou o grupo Wagner, uma companhia militar privada cuja atuação, a serviço do governo russo, seria mantida em sigilo até 2022. A ação do grupo paramilitar, acusado de muitas vezes fazer o serviço sujo que forças de Estado oficiais teriam menos legitimidade para realizar, começou na Crimeia e na região ucraniana de Donbass. Depois se ampliou para países do Oriente Médio e da África.
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Depois de anos negando, Prigozhin confirmou ser o fundador do grupo Wagner em setembro do ano passado, depois da viralização de um vídeo em que ele próprio aparece recrutando detentos da prisão russa de Mari El, lhes prometendo anistia em troca de seis meses de serviço. Os números que seu exército tem variam, nos cálculos da imprensa, entre 25 mil e 50 mil membros.
Em maio, o grupo Wagner realizou a principal conquista russa este ano na guerra que o país deflagrou contra a Ucrânia. Tomaram a cidade de Bakhmut. Foi neste contexto que as tensões com o Ministério de Defesa da Rússia escalaram.
Em vídeos públicos, o líder mercenário insultou o exército russo e acusou o ministro da Defesa, Serguei Choigu, de economizar munições, não abastecer os combatentes e não saber conduzir a guerra. A gota d’água veio neste fim de junho. E o desenrolar está em aberto.
Edição: Raquel Setz