A capital paulista foi palco, nesta segunda-feira (26), para o lançamento do livro Estado de Arte – João das Neves e Minas Gerais. A obra documenta os 24 anos de trabalho e vivência do dramaturgo (1935-2018) em solo mineiro e foi organizada pelo jornalista João Paulo Cunha, a jornalista Ludmila Ribeiro e a cantora Titane, companheira de vida do autor.
Na publicação, uma série de reportagens, imagens e textos de artistas, teóricas e teóricas e pesquisadores e pesquisadoras traçam essa trajetória O caráter colaborativo é explicitado já no prefácio, assinado por João Paulo Cunha, falecido no ano passado.
“Sem a palavra viva do criador, o diálogo com outros interlocutores foi sendo tramado, bem no estilo de obra aberta e colaborativa, que sempre marcou os projetos do artista”, escreveu o jornalista e pensador mineiro, amigo de João das Neves.
Viúva do dramaturgo, a cantora e escritora Titane conversou com o Brasil de Fato sobre o livro. “Quando a publicação foi sondada, era para ter sido escrita por ele. Seria ele próprio revisitando sua obra, mas ele faleceu antes de conseguir realizar”, conta.
A organização de uma obra coletiva dialoga com os caminhos traçados por João das Neves no teatro e na luta por direitos. Em sua obra, ele foi pioneiro e inovador ao dar espaço para debates sobre racismo, homofobia, machismo, defesa do meio ambiente e desigualdade.
Nascido em 1935, no Rio de Janeiro, estudou na Fundação Brasileira de Teatro (FBT), na década de 1950. Depois de formado, dirigiu o Teatro Arthur Azevedo, em Campo Grande, periferia do Rio de Janeiro e fez parte do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE).
Quando o movimento foi colocado na ilegalidade pelo golpe militar de 1964, João das Neves se reuniu com companheiros e companheiras e criou o Grupo Opinião. O projeto viria a se tornar uma das mais simbólicas marcas culturais da luta contra a ditadura no Brasil.
O Teatro Opinião, que abrigava os projetos do grupo foi um importante local de reunião e debate da esquerda brasileira, especialmente a carioca, ao longo das três décadas do regime. O espaço encerrou as atividades em 1983. João das Neves seguiu com o trabalho artístico, político e social.
Ainda na década de 1980, ele viveu no Acre e, com o Grupo Poronga, realizou trabalhos voltados para a causa ambiental. O período foi marcado também pela vivência com indígenas da Nação Kaxinawá.
“Ele era um homem do teatro e levou para dentro do teatro as muitas culturas brasileiras. O teatro de João nunca foi cristalizado”, afirma Titane.
A cantora lembra que o envolvimento de João das Neves com as realidades, territórios e comunidades pelos quais transitou era pessoal, marcado por uma vivência intensa dessas realidades.
“Ele não foi exatamente um pesquisador, no sentido de pesquisar algo fora dele. O João viveu entre os Kaxinawá do Acre, criou um grupo em Rio Branco, viveu em Minas Gerais, fez teatro junto com os congadeiros. A peça dele (O Último Carro, de 1965), que foi a peça mais aclamada do teatro brasileiro, considerada um grande marco, é sobre a população do trem da central do Brasil. O João trouxe para o teatro brasileiro muitas culturas porque ele conviveu com elas.”
Titane conta que o livro é permeado pelas experiências do dramaturgo na reinvenção do espaço teatral. Segundo ela, o período em terras mineiras marca também a realização de espetáculos em espaços incomuns e subversão da presença do público nos espetáculos.
"Ele faz teatro em parques, túneis abandonados, pedreiras, casarões. Ele tira todo mundo do lugar, mas as peças eram sempre muito populares. Primeiras Histórias chegou a reunir 3 mil pessoas em uma noite. Ele sempre pesquisou muito a simultaneidade de acontecimentos dentro do teatro, as polifonias, o deslocamento do público.”
A escritora identifica a influência das expressões culturais do Brasil nessas escolhas.
“Na verdade, tudo isso são coisas da cultura Brasileira, das manifestações populares brasileiras que ele absorveu. Ele é muito identificado com a cultura popular, mas não é apenas porque tem máscaras no teatro dele, tem boizinho, tem tambor, não é por isso. É porque nas grandes lógicas das nossas manifestações populares todas as pessoas são como protagonistas. Todo o coletivo é protagonista.”
Ouça a entrevista na íntegra no tocador de áudio abaixo do título desta matéria. Clique aqui e saiba mais sobre o livro Estado de Arte – João das Neves e Minas Gerais.
Edição: Rodrigo Durão Coelho