Os debates sobre violência nas escolas ganham a preocupação nos meios de comunicação, nas câmaras municipais e entre a comunidade escolar também. Recentemente, o atentado em Cambé (PR), no dia 19 de junho, vitimou um casal de estudantes, Karoline Alves, 17, e Luan Augusto, de 16, aumentando a preocupação com o tema, em especial na educação pública.
Ao lado do caso citado, ataques com assassinatos já aconteceram, em 2023, nas cidades de Blumenau (SC) e São Paulo (SP). Nota-se um aumento das ocorrências a partir de 2018, como aponta o Instituto Sou da Paz, quando ocorreram cerca de 14 casos.
Estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) fez o levantamento dos ataques ocorridos em escolas nos últimos 21 anos. Ao todo, foram 30 ataques de alunos ou ex-alunos. Sobre isso, o estudo aponta um padrão: na sua maioria são meninos ou homens, boa parte deles é branca, atraída por discursos de ódio e racismo em grupos da internet.
:: Violência nas escolas: após onda de ataques, especialistas apontam caminhos ::
O acesso às armas é um dos fatores apontados nas análises. Do total de ataques, 14 foram feitos com o uso de armas de fogo e 13 com armas brancas. Dos casos registrados com arma de fogo, seis jovens tinham o equipamento em casa.
Quais medidas são necessárias do ponto de vista de trabalhadores?
Porém, as propostas na área, como se verifica na Câmara Municipal de Curitiba, são ligadas ao reforço instrumental da segurança. Como informa o portal Plural, o recurso mais solicitado pelos vereadores, em 26 proposições, foi a colocação de guardas municipais armados no entorno e até dentro das escolas.
Recentemente, o prefeito Rafael Greca (PSD), reforçou essa ideia, apontando eventuais medidas da gestão municipal: “Também integram o pacote de ações o reforço no policiamento ostensivo e preventivo junto às escolas e aos CMEIs, a atualização dos protocolos de segurança; a ampliação da Muralha Digital, com novas câmeras e aquisição de mais botões pânico e colares com o dispositivo (1.823 unidades)”.
:: Especialistas relacionam armamentismo, discurso de ódio e bullying aos ataques nas escolas ::
Diante disso, a avaliação de Juliana Mildemberg, coordenadora-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (Sismuc), é de que um cenário com políticas públicas, acolhimento e combate à exclusão social são as formas de enfrentar o problema:
“Nós entendemos que a educação perpassa outros espaços da sociedade e que uma sociedade doente e violenta se reflete na escola. Para isso, o Estado deve investir em políticas públicas de assistência social, de saúde e voltadas aos espaços de lazer”, afirma.
No interior da escola, assistência. Fora, melhores condições de segurança
Rejane Soldani, presidenta do Sindicato dos Guardas Municipais de Curitiba (Sigmuc), avalia que a guarda municipal necessita de reforço nas equipes operacionais, estrutura de viaturas e efetivo. E complementa que a experiência no interior da escola tem uma avaliação negativa por parte da categoria. É necessário, para ela, a guarda ter condições de atuar a partir de solicitação, porém mantendo-se apenas no entorno dos equipamentos públicos.
“Já trabalhamos dentro do ambiente escolar, mas foi se percebendo que o fato de ele estar ali, fisicamente, além de causar um certo constrangimento, também fazia com que um profissional de segurança pública, ele acabava ficando ansioso dentro do espaço. Entendeu-se que, com o auxílio de tecnologia, o guarda deveria ficar do portão para fora, a partir do botão do pânico e câmera”, aponta.
:: Especialista recomenda denunciar ameaças a escolas aos canais competentes e evitar propagação ::
Ausência de profissionais
Já o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac) reforça que o centro do problema está na falta de estrutura para atendimento social e psicológico no interior da escola. João Paulo da Silva, diretor do sindicato, reforça a necessidade de mais estrutura de assistência e apoio aos estudantes, que trazem inúmeros conflitos vindos da sociedade.
“Questionamos a ausência de profissionais de assistência social. Se temos uma criança com alguma questão psicológica, não há profissionais na rede pública municipal de saúde”, aponta.
Crescimento da extrema-direita e do neofascismo
Na avaliação da organização Educadores do Projeto Popular, o caso ocorrido em Cambé (PR) estrutura-se no avanço do neofascismo na sociedade brasileira. Para o professor de Geografia, Fernando Heck, integrante da organização, o bolsonarismo desde o início coloca a educação e o espaço da escola como um centro de disputa ideológica. “Nesse sentido, como medida, é fundamental apostar na formação e valorização da própria escola, porque o neofascismo combateu a escola ‘como lugar de doutrinação’. Casado com isso, a política do neofascismo da liberação de armas também influenciam esse cenário”, aponta.
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, aponta nota da Educadores do Projeto Popular e da organização Consulta Popular, as células nazifascistas cresceram 270,6% no Brasil e se espalharam por todas as regiões do país, impulsionadas pelos discursos de ódio e extremistas contra mulheres, negras e negros, LGBT’s, a esquerda e a população mais pobre - muitas vezes justamente o alvo dos atentados.
Comunidade escolar organizada
“Esses números representam pelo menos 530 núcleos declaradamente nazifascistas, que podem conter cerca de 10 mil pessoas ativas, apontou um estudo feito pela antropóloga Adriana Dias, falecida no início deste ano, números que expressam a impunidade às organizações e células nazifascistas”, afirma a publicação.
O professor da Unicamp, Lucas Barbosa Pelissari, especialista e militante na área da educação, também observa o mesmo impacto da incidência da extrema direita sobre a educação a partir do governo Bolsonaro, no que ele chama de “uma certa continuidade de entulhos neofascistas e bolsonaristas neste contexto”.
No entanto, para Pelissari (em breve publicaremos entrevista completa no Brasil de Fato Paraná), aponta que a comunidade escolar organizada pode ser justamente a resistência para bloquear a entrada da ideologia de extrema direta no ambiente escolar.
“Estou bem convencido de que a própria escola ela mesma pode ser até um escudo contra situações de violência colocadas no seio da sociedade, de modo geral. A depender de como se organiza. Há várias experiências nesse sentido, em Institutos Federais, que têm tradição de pensar o currículo, ou experiência mais coletiva, ou escolas que pensam currículo de forma integrada com a sociedade, o que proporciona certa blindagem contra posturas mais agressivas”, comenta.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Frédi Vasconcelos