Os agricultores perceberam que deixar a juçara em pé é bem mais rentável do que extrair o palmito
Um dos biomas mais ricos em biodiversidade do mundo é também um dos que está mais ameaçado de extinção: a Mata Atlântica. É neste cenário, em meio à Semana Mundial do Meio Ambiente, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e diversos órgãos públicos se uniram para a semeadura aérea de 4 toneladas de sementes da palmeira juçara, o açaí da Mata Atlântica, também ameaçado de extinção.
A ação ocorreu no último mês de junho, em uma área de 67 hectares de reserva legal da comunidade de reforma agrária Dom Tomás Balduíno, nas encostas do Rio Iguaçu e da represa da Usina de Salto Osório.
Mais de 2,5 mil famílias vivem atualmente na região. No passado, essa mesma área foi utilizada por uma empresa de monocultivo de pinus e eucalipto, fato que provocou a sua degradação.
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“Essa atividade movimenta todas as famílias, ela faz parte do anseio das famílias de voltar a ter esses tipos de ações que mostrem a participação delas, que estão aqui lutando e preservando. E, para mim, é um dia muito especial pela minha identidade com a questão ambiental e com a preservação da espécie”, comentou Tarcísio Leopoldo, da direção estadual do MST e morador da comunidade Dom Tomás Balduíno.
As margens do rio estão renascendo com o plantio
A ação foi organizada pelo MST em parceria com diversas organizações. Estavam presentes na atividade representantes da Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/PR), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Itaipu Binacional, Prefeitura e Câmara de Vereadores de Quedas do Iguaçu e Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
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O comandante da PRF Juliano Kunen pilotou o helicóptero que espalhou a juçara pela mata. “Missão cumprida sem nenhuma intercorrência, dessa forma a gente se sente feliz em ter contribuído com a semeadura de tantas juçaras. E missão dada é missão cumprida!”, comemorou.
Filho de produtores rurais de Nova Prata do Iguaçu, município próximo ao local da ação, Kunen revelou um diferencial da missão: “eu estou me sentindo em casa aqui; poder ver as margens do rio renascendo com o plantio, deixa a gente num misto de emocionado e satisfeito em poder contribuir”.
Semeadura aérea da palmeira juçara na área de reserva legal da Comunidade Dom Tomás Balduíno - Foto: Juliana Barbosa / MST-PR
A Mata Atlântica está entre os biomas mais afetados pelo desmonte de políticas públicas de proteção ambiental e de afrouxamento das normas ambientais ocorridos durante o último governo.
A partir do oitavo ano de vida, a árvore dá frutos anualmente
Segundo novo atlas divulgado no relatório da SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional Pesquisa Espacial (INPE), divulgado em maio deste ano, o Paraná é o terceiro estado do país que mais destrói o bioma. Foram 2.883 hectares de corte ilegal em 2022, deixando o Paraná atrás de Minas Gerais e Bahia. Em todo o país, mais de 20 mil hectares de floresta foram destruídos no ano passado.
Floresta em pé, e gerando renda
Além do ganho ambiental, a disseminação da palmeira juçara reflete o avanço da utilização do seu fruto como fonte de renda, conforme explica Manuela Pereira, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e coordenadora do Laboratório Vivam de Sistemas Agroflorestais da universidade. O projeto trabalha com 56 famílias, de 7 municípios da região Centro do Paraná.
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O desenvolvimento de produtos é o ponto forte do projeto que transforma os frutos da Mata Atlântica, como a guabiroba, o jerivá, o araçá, butiá e pitanga, em doces, geleias, sorvetes, polpas e balas.
“Os agricultores perceberam que deixar a juçara em pé é bem mais rentável do que extrair o palmito. Aqui no acampamento Dom Tomás já foi erradicado totalmente qualquer tipo de extração”. A fruta rende muito mais, porque a partir do oitavo ano de vida, a árvore dá frutos anualmente, conforme explica a professora. No caso da extração do palmito, a árvore é cortada, por isso o avanço da ameaça de extinção da espécie.
Quem esteve no café da manhã servido durante a ação, pode experimentar alguns dos alimentos feitos a partir da fruta da juçara e de outras plantas nativas, desenvolvidos pelo projeto da universidade.
Geleias de juçara com banana, guabiroba e jerivá com laranja, produzidos pelas camponesas da Associação de Mulheres Agricultoras Sementes da Terra (AMAST), foram alguns dos itens que rechearam os pães e cucas também produzidas pelas camponesas das comunidades Vilmar Bordin e Fernando de Lara, vizinhas à comunidade Dom Tomás.
É um marco na história do Movimento
Silmara Silva, presidenta da AMAST, enfatizou a importância da ação para geração de renda e autonomia para as mulheres. Para a camponesa, a festa "é um marco na história do Movimento" por mostrar o potencial de frutas nativas da floresta, muitas vezes consideradas "sem muito valor".
"A gente está mostrando como elas [ as frutas nativas ] podem ser usadas, vai estar valorizando e além de todo o processo que elas fazem ali, tem a questão ambiental também", comentou.
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Matheus Henrique Palhano, estudante do magistério na escola Chico Mendes, localizada no assentamento Celso Furtado, também em Quedas do Iguaçu, estava entre as dezenas de estudantes que visitaram a agrofloresta da família Gomes.
"É uma coisa boa, dá pra levar pra frente, investir. [...] Eu nunca tinha visto como colhia, classificava e como era feito o processo e até me emocionei com as palavras dele", disse o jovem de 19 anos, se referindo à fala de Josué sobre a importância da participação da juventude na produção agroecológica.
Josué, ao lado da família, relatou como que a palmeira ganhou papel fundamental em sua produção. O camponês buscava uma espécie que pudesse consorciar com o café, alimento cultivado de forma agroecológica na unidade produtiva dos pais no Assentamento Celso Furtado, também na região.
“Quando eu cheguei naquele lugar (na unidade produtiva na comunidade Tomás Balduíno), eu vi umas palmeiras, era meu sonho sendo realizado, consórcio da palmeira juçara com o café. A palmeira juçara já estava, era só introduzir o café”.
Ninguém corta uma palmeira porque entendeu a importância da espécie
Integrantes do grupo de produção orgânica e agroecológica da Comunidade, Josué e Graziely conscientizaram as demais famílias sobre a importância da juçara para o ecossistema em que vivem e para a geração de renda de uma forma sustentável.
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“Hoje ninguém corta do nosso grupo, ninguém corta uma palmeira porque entendeu a importância dessa espécie. Mas nós ainda queríamos ir além. Nas conversas com as nossas lideranças locais aqui, a gente comentou um pouco da importância, da quantidade de semente que sobrava ou que se tem a partir do processamento da despolpa, e comentamos então o desejo no coração de que a gente pudesse, em algum momento, né, coisa da cabeça dos sem-terra, espalhar aquele monte de sementes, sei lá, com um grande drone, com uma aeronave, aquelas ideias mirabolantes que todos sem-terra têm, que sonha, que quer ver a coisa acontecer”.
Ideia "mirabolante" que se concretizou nesta primeira semeadura da espécie, como parte do Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis.
Lançado pelo MST em todo Brasil em 2020, o objetivo é plantar 100 milhões de árvores em dez anos nas escolas do campo, cooperativas, centros de formação técnica, praças, avenidas e cidades, fortalecer a produção de alimentos saudáveis nas áreas de assentamentos e acampamentos do MST, denunciar o modelo destrutivo do agronegócio e seus impactos ao meio ambiente.
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Ralph Albuquerque, superintendente do Ibama-PR, que esteve presente na ação, destacou a importância do Plano para a preservação do meio ambiente.
“O que vocês estão fazendo aqui, o projeto de 100 milhões de árvores, é o que o Ibama deve fazer institucionalmente, e só vai conseguir fazer, com o exemplo de vocês, dos povos indígenas, dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. [...] não existe função social ou função sócio ambiental da propriedade sem preservação do meio ambiente, sem preservar a vida", acrescentou.
*Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Edição: Douglas Matos