Reunião bilateral

Cuba e Venezuela condenam unilateralismo da União Europeia antes de Cúpula da Celac

Países rechaçam imposição de agenda e formato do fórum sem consulta aos seus homólogos latino-americanos

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A VI Cúpula de Chefes de Estado da Celac no México em setembro de 2021. O mecanismo de integração regional cresceu em importância com as vitórias dos governos progressistas da região. - CELAC

Nos dias 17 e 18 de julho, chefes de estado da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE) se reunirão em Bruxelas, na Bélgica, para a III Cúpula de Chefes de Estado Celac-UE. A tão esperada cúpula ocorre após um hiato de oito anos, e os líderes devem abordar questões-chave enfrentadas por ambas as regiões, bem como as relações nas áreas de comércio, imigração, ajuda mútua, desenvolvimento e muito mais.

A cúpula também buscará “fortalecer ainda mais a parceria Celac-UE” e “demonstrar um compromisso compartilhado em defender a ordem internacional baseada em regras”, de acordo com o post oficial sobre a cúpula.

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No entanto, dias antes do encontro histórico, enquanto os preparativos finais estão sendo feitos e os projetos de delegação estão sendo trocados, autoridades latino-americanas e organizações da sociedade civil começaram a alertar sobre a conduta da UE no que diz respeito ao formato e conteúdo das discussões, bem como sobre a postura da UE em relação à América Latina.

Parlamento Europeu pede sanções contra presidente cubano

Em 12 de julho, o Parlamento Europeu aprovou em votação uma resolução que condena veementemente o governo cubano por uma ampla gama de supostas violações de direitos humanos e pede que a União Europeia imponha sanções a autoridades cubanas, “começando por Miguel Díaz-Canel”.

A extensa resolução faz uma série de fortes alegações, incluindo a alegação de que o governo cubano usa o bloqueio imposto pelos EUA como arma para justificar as atuais dificuldades socioeconômicas e obter o apoio de governos estrangeiros. Alega que a crise econômica “nada mais é do que o resultado do fracasso total de seu sistema econômico e produtivo”.

A resolução, aprovada com 359 votos a favor, 226 contra e 50 abstenções, desconsidera completamente os numerosos relatórios elaborados por instituições internacionais, ONGs e demais organizações que detalharam os impactos catastróficos do bloqueio estadunidense sobre a economia cubana, especialmente sobre o acesso a alimentos, medicamentos e outros bens essenciais.

A resolução do Parlamento Europeu também se refere diretamente à Cúpula CELAC-UE e tenta condicionar a participação da América Latina. A resolução afirma: “regimes autocráticos não devem participar de tais cúpulas entre países que compartilham valores democráticos e respeitam os direitos humanos”. Convida os “participantes da cúpula a emitirem uma declaração exigindo o devido respeito pelos direitos humanos em ambas as regiões, com particular atenção à falta de respeito pela democracia e pelas liberdades fundamentais em Cuba".

Clima de cooperação?

Também surgiram notícias de que a UE havia convidado o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a intervir na Cúpula sem consultar o bloco Celac, atualmente presidido por Ralph Gonsalves, primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas. Em quase todos os fóruns internacionais dos quais Zelensky participou desde o início da guerra Rússia-Ucrânia, ele fez discursos sobre a necessidade de aumentar a ajuda militar à Ucrânia e buscou apoio total para seus esforços de guerra.

As tensões aumentaram ainda mais quando os líderes latino-americanos receberam o rascunho da declaração para a cúpula, preparado pelo bloco da UE, que condenava explicitamente a Rússia e expressava apoio à Ucrânia em seus esforços de guerra, uma posição não compartilhada pela maioria dos países da Celac que permaneceram neutros durante todo a guerra.

Além disso, o fórum paralelo da sociedade civil, o “Fórum UE-América Latina e Caribe: Parceiros na Mudança”, a ser realizado de 13 a 14 de julho em Bruxelas, foi organizado pela UE e ONGs europeias sem qualquer participação da Celac ou espaços da sociedade civil com base na América Latina. O programa e os participantes também não foram divulgados. Especula-se que ativistas de direita cubanos e venezuelanos possam participar do fórum.

Os acontecimentos levantaram sérias dúvidas sobre as verdadeiras intenções do bloco europeu para a Cúpula e colocaram em risco o clima e as condições para fomentar uma verdadeira cooperação e diálogo birregional.

A Celac é um parceiro igual

Os movimentos do bloco europeu foram recebidos com forte condenação de vozes de toda a região.

A Comissão de Relações Internacionais da Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP) em Cuba emitiu, em 12 de julho, uma forte condenação à resolução aprovada pelo Parlamento Europeu e afirmou que o órgão “carece de autoridade moral, política e legal para julgar Cuba.”

Acrescenta que o texto é “difamatório não apenas sobre a realidade cubana, seu sistema jurídico e estado de direito, mas também no que diz respeito aos vínculos que Cuba mantém soberanamente com outros Estados, em estrito cumprimento do direito internacional”.

Em comunicado divulgado na segunda-feira, 10 de julho, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, alegou que a UE tentou impor “formatos restritivos e divisores” na cúpula birregional que “impossibilitam discussões diretas e transparentes”. Ele enfatizou que o tempo está se esgotando, “mas não é tarde demais para evitar o fracasso”.

Para Rodríguez, o comportamento da UE denota falta de respeito e superioridade em relação ao bloco de integração da região. Ele acrescentou: “Nossa região mudou. A Celac é a voz sólida e unida da América Latina e do Caribe e deve ser respeitada. Quem tentar impor uma visão enviesada e europeísta à relação birregional, fingindo ignorar as prioridades e os interesses da nossa região, não terá chances de sucesso em Bruxelas.”

A Celac foi fundada em dezembro de 2011 em Caracas, Venezuela, pelo ex-presidente venezuelano, Hugo Chávez, com o objetivo de promover a unidade e a paz regional, a cooperação política e o desenvolvimento socioeconômico de todos os países membros, respeitando os interesses políticos, econômicos, sociais e culturais e diferenças ideológicas. O mecanismo intergovernamental de diálogo, consulta, acordo político e cooperação regional é hoje integrado por todos os 33 países da América Latina e do Caribe.

Foi fundada para servir de contrapeso à Organização dos Estados Americanos (OEA), dominada pelos Estados Unidos, e hoje ultrapassou a OEA como o principal espaço de integração regional, discussão e propostas concretas.

Yvan Gil, ministro das Relações Exteriores da República Bolivariana da Venezuela, também publicou uma declaração ecoando as preocupações de Rodríguez e destacou que a UE está tentando “minimizar o papel dos Estados soberanos de nossa região, bem como a opacidade com que pretende realizar uma série de eventos paralelos, sem a devida coordenação com nossos países, cujas conclusões poderiam ser instrumentalizadas para alimentar agendas de grupos políticos contrários aos objetivos que nos convocam para esta importante reunião”.

Ele pediu que a cúpula seja realizada com base no “respeito, compromisso mútuo e cooperação… a fim de construir uma agenda de longo prazo para o benefício compartilhado de nossos povos”.

A ALBA Movimientos, plataforma que reúne movimentos sociais de toda a América Latina e Caribe, também condenou a organização do “Fórum UE-América Latina e Caribe: Parceiros na Mudança”, que alega ter sido feito “unilateralmente e com pouca transparência”.

A declaração divulgada pela plataforma alega que a UE minou e descartou tanto a própria Celac quanto os esforços empreendidos por organizações da sociedade civil latino-americana e caribenha para conformar a Celac Social. Eles escreveram: “Rejeitamos a maneira como isso está acontecendo, especialmente quando o Fórum exclui participantes, vozes e a discussão de questões de extrema importância para os povos de nossa região, em um contexto de profunda crise econômica, política, ética, energética e ambiental, e ainda diante da necessidade urgente de reformar a estrutura financeira e a ordem econômica internacional”.

A ALBA Movimientos afirmou que, juntamente com organizações como a Assembleia Internacional dos Povos, o INTAL e outros, está ajudando a construir a Cúpula dos Povos, que será realizada de 17 a 18 de julho, também em Bruxelas. Afirmou que a Cúpula dos Povos busca ser o “fórum democrático e plural” que garante “a presença democrática e plural das forças sociais cujas vozes são fundamentais para qualquer iniciativa birregional”.