O cardápio que antes parecia indigesto, foi saboreado como uma sobremesa
Olá, o centrão casa com o Planalto só por interesse e o som do violão de Fernando Haddad embala a lua de mel com o mercado.
.Casamento às cegas. Mais do que comemorar a aprovação da reforma tributária e do Carf, o jantar que reuniu líderes do centrão com Lula na semana passada não apenas pacificou as relações entre o Planalto e o Congresso, como parece ter estabelecido as bases para uma nova fase do governo. O cardápio que antes parecia indigesto, foi saboreado como uma sobremesa: o centrão vai levar a minirreforma ministerial e os cargos que queria, incluindo a Funasa e a Caixa Econômica. De quebra, o governo espera atrair formalmente o PP e o Republicanos.
Daqui pra frente, o governo espera negociar e contar com os partidos em bloco e não mais no varejo. Evidentemente, além da fidelidade sempre suspeita e do apetite inesgotável, aliar-se definitivamente ao centrão trás o risco de escândalos de corrupção no futuro. Mas, nos cálculos do governo, a aliança e a entrada do centrão na base governista faz todo sentido. Primeiro, Arthur Lira e sua turma já demonstraram que sem eles não se aprova nada no Congresso. Segundo, nenhum governo vai para frente sem maioria no parlamento. Terceiro, a estratégia também faz parte das intenções petistas de esvaziar e eliminar o bolsonarismo, assediando sua base eleitoral, seja partidária, sejam as bancadas evangélicas e do agronegócio, que também recebem afagos.
E da parte dos parlamentares, ninguém quer estar em conflito com quem tem a chave do caixa às vésperas das eleições municipais. Ou seja, Lula e o centrão apostam que o futuro será de calmaria na base do ganha-ganha. Com o cenário interno pacificado, Lula vai poder se dedicar a correr o país, inaugurando obras, e a perseguir sonhos mais altos na geopolítica internacional. Além de um projeto de transição energética, Lula deve lançar uma campanha mundial contra a fome. Antes disso, deve pacificar outro conflito, entre os interesses latinos e europeus na cúpula da União Europeia com a Celac. E mesmo que já fale em reeleição, no momento e na intimidade, Lula tem sonhado mesmo é com o Nobel da Paz.
.Picanha, cerveja e violão. Tanto quanto Lula e Lira, quem colheu os frutos da aprovação da reforma tributária e da mudança do voto no CARF foi Fernando Haddad. É verdade que a reforma ainda vai para o Senado, onde os temas polêmicos da negociação anterior serão tratados, como os fundos estaduais que desagradaram parte da indústria, ainda que o setor tenha gostado do que foi aprovado no geral.
O resultado foi tão positivo que Haddad já trabalha para antecipar a segunda parte da reforma, com negociação mais complexa porque envolve mudanças na tributação de renda. Mas não é apenas a relação com o Congresso e a aprovação das reformas que torna a vida de Haddad mais tranquila. Os números da economia seguem melhorando, registrando deflação com a queda dos preços de alimentos e combustíveis e cumprindo uma promessa simbólica da campanha de Lula, a picanha caiu 6,5%. E a melhora na vida dos mais pobres também aparece na recuperação das médias salariais em negociações coletivas.
O setor de serviços teve uma pequena alta e a demanda americana por biocombustíveis pode dar mais fôlego ao agronegócio. O otimismo na economia ajuda inclusive a enfraquecer o bolsonarismo. Segundo o IPEC, uma parte do eleitorado feminino, preto e católico do capitão já está migrando para o lulismo movido pela economia. Aliás, um perfil muito próximo do eleitor de Lula nas últimas eleições. As mudanças ainda não são estruturantes, por isso os olhares se voltam para a indústria.
No futuro, a reforma tributária poderá incrementar o PIB brasileiro em 2,39% e provocar um aumento na produtividade de 1,63%. Sem poder esperar até lá, Lula já sugeriu a repetição da isenção da indústria automobilística para os eletrodomésticos, apostando no consumo. Claro, o fantasma da inflação ainda pode voltar, argumento para Campos Neto se agarrar em sua defesa solitária da taxa de juros estratosférica. Mas até o mercado financeiro, outro intransigente defensor dos juros, anda encantado com Haddad, ajudando a disparar a melhora da imagem de Lula para um setor que nunca escondeu sua preferência por Bolsonaro e Paulo Guedes. Com o vento a favor, Haddad pode pensar no futuro e começar a tirar do papel seu plano de transição para uma economia verde, até aqui escanteado pelos auxílios aos automóveis e energias fósseis.
.O retorno do chiqueirinho. Enquanto o governo comemora, quem não tem vida fácil é Bolsonaro. Acossado por uma coleção de processos no TSE e pelo avanço das investigações da PF, o capitão percebeu que voz embargada e olhos marejados não serão capazes de salvá-lo. Logo à frente, o esperam ainda as quebras de sigilo de Silvinei Vasques, Jean Lawand e Mauro Cid e uma investigação do TCU sobre possíveis irregularidades nos ganhos salariais do ex-presidente. Sem contar os danos colaterais trazidos pelas maracutaias de Carla Zambelli e Damares Alves.
E, por incrível que pareça, neste momento difícil, Bolsonaro só parece contar com o DNA golpista das forças armadas, dispostas a cair junto com seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, e com o corpo mole e a disposição do governo para não se incomodar e tentar manter as desavenças com os militares dentro de casa. A gota d'água no inferno astral de Bolsonaro foi mesmo a divisão dentro do PL, depois que uma parte dos deputados do partido aderiu ao pragmatismo do centrão.
Foi o sinal de que já é hora de parar de fazer beiço, engolir o choro e partir para o ataque. O que, para Eduardo Bolsonaro, significa comparar professor a bandido e fazer palanque para o armamentismo na tentativa de galvanizar novamente a direita em torno do legado do pai. Ou seja, repetir o que foi feito durante quatro anos. A estratégia não deve ser capaz de esvaziar as disputas em torno da sucessão do capitão, mas talvez obrigue os expoentes da direita a manterem uma postura mais ideológica e se afastarem do governo, como Tarcísio de Freitas, que passou a defender as escolas cívico-militares em São Paulo justamente agora que Lula resolveu extingui-las.
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Neste mês, o Ponto completou 5 anos. Desde o início, nossa proposta foi olhar para além das cortinas de fumaça da pequena política e dos ruídos das fake news para entender os fatos relevantes da conjuntura. Muito obrigado a todos e todas que nos acompanharam até aqui. E uma boa forma de fortalecer nosso trabalho é apoiando o Brasil de Fato.
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Edição: Leandro Melito