Educação Básica

Semana D da Educação: escola integral avança no Senado e governo veta programa cívico-militar

Vários projetos do governo para educação básica avançaram no Parlamento, em sintonia com retomada de metas do PNE

Brasília (DF) |

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Repasse de R$ 4 bilhões está previsto apenas para o programa Escola em Tempo Integral, que será ampliado pelo governo - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A semana em Brasília foi marcada por passos importantes rumo à reconstrução da Educação pública no país. No dia 11, apelidado de Dia D da Educação, uma série de projetos do governo federal avançaram no Senado, que se somam a outra decisão importante do Ministério da Educação (MEC) tomada no dia seguinte: descontinuar o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim).

Aos poucos, políticas públicas vão assumindo o lugar de escândalos nas gestões sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), que vão de repasses sem critérios, negócios com pastores e kits robóticas suspeitos até uma cruzada contra a chamada “Ideologia de Gênero”. Segundo o presidente Lula (PT), em discurso no Congresso Nacional de Estudantes em Brasília no dia 13, o Brasil percebeu que em quatro anos é possível “destruir as conquistas que a gente às vezes leva séculos para conquistar”.



Dentre os diversos Projetos de Lei que passaram pelo Senado e foram para sanção presidencial diz respeito à ampliação das Escolas em Tempo Integral para a educação básica, que prevê o aporte de R$ 4,08 bilhões para o biênio 2023-2024, visando a criação de novas matrículas nessa modalidade. A projeção do governo de criar até 1 milhão de vagas, no entanto, esbarra nas realidades encontradas nas escolas espalhadas pelo território nacional.

É o que afirma Marcele Frossard, assessora de políticas sociais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em entrevista ao Brasil de Fato. “Aumentar matrículas, principalmente de educação integral, vai exigir aumento de infraestrutura, porque estamos falando de escolas que têm dois ou se duvidar até três turnos dentro de uma mesma sala de aula. E que agora vai ter um aluno que passa o dia inteiro na escola. Então, não tem como ter tudo para todo mundo. Não tem infraestrutura, não tem sala de aula, banheiro, refeitório”, identifica.

Em um cenário de refração agravado pela pandemia de Covid-19, o percentual de matrículas em tempo integral na rede pública caiu de 17,6% em 2014 para 15,1% em 2021, de acordo com relatório do Plano Nacional de Educação (PNE), de 2022. Inclusive, uma das metas do PNE de 2014 previa atender pelo menos 25% dos alunos de educação básica em tempo integral em, no mínimo 50% das escolas públicas. 

Educação de qualidade volta à agenda do Congresso

Durante a sessão na Plenária do Senado no dia 11, a senadora Teresa Leitão (PT-PE) citou o marco da educação integral previsto no artigo 205 da Constituição, segundo o qual a educação deve compreender o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho. Ela defendeu o preenchimento da carga horária com a diversificação de possibilidades formativas, com o desenvolvimento de atividades nos campos de arte, cultura, esporte, lazer, além do acompanhamento de avanços da ciência e tecnologia.

“É importante a gente pensar não apenas em função da quantidade de horas que os estudantes passam a estar no ambiente escolar, mas sobretudo na qualidade dessas horas. As alunas e alunos precisam sentir que as horas a mais estão sendo bem aproveitadas, e não serão apenas um tempo a ser gasto na escola. Por isso, é importante e necessário cuidarmos para que o tempo integral seja acompanhado de conteúdo pedagógico de qualidade”, afirmou.

Nesse sentido, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação compreende a necessidade de respeitar a autonomia dos entes federativos, mas reivindica que novas regras imponham padrões mínimos a serem atendidos. “A Campanha vêm há mais de 20 anos chamando atenção para o custo aluno x qualidade, que foi constitucionalizado no Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], que é uma maneira de listar insumos básicos para as escolas”, explica Marcele. 

“Não significa padronizar a escola, a gente entende que cada realidade é única, que a política deve ser adequada a essa realidade. Porém, não existe nenhuma lei no país que indique padrões mínimos de qualidade. Por exemplo, não tem nenhuma lei que estabeleça um padrão de a partir de tantos alunos a gente precisa ter um banheiro, ou qual é o mínimo de banjeiros por aluno”, complementa.

Já a relatora do PL 2617/2023, a senadora Professora Dorinha Seabra (União Brasil-TO), enalteceu quem permanece na linha de frente, mesmo com as dificuldades profissionais históricas e apesar das dificuldades impostas nos últimos anos. 

“Nós não podemos deixar de entender que nenhum sistema de Educação terá qualidade somente com a construção de prédio físico. A infraestrutura, o prédio e a biblioteca são importantes, mas a maior força e a tarefa que é desempenhada na tarefa da educação é construída a partir dos profissionais, professores, docentes e técnicos administrativos. Então, o nosso respeito, da Comissão de Educação e deste Plenário. Professor faz diferença e professor constrói uma nova Educação”, enfatizou.

Após a aprovação do projeto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aproveitou a ocasião para dizer que o Congresso Nacional tem esse compromisso com reformas importantes. “Esse tema da Educação deve merecer toda a nossa irrestrita atenção e dedicação. Nós só seremos de fato uma nação quando para essa geração de 0 a 18 anos não faltar absolutamente nada no quesito de Educação, seja na Escola em Tempo Integral, sejam as escolas complementares, seja a dedicação das riquezas nacionais para os investimentos nessa geração de 0 a 18 anos”, discursou.

Acesso digital, mas com atenção redobrada

O texto do projeto também atualiza a Lei da Conectividade, que prevê a liberação de R$ 3,5 bilhões para que estados e municípios garantam internet grátis às escolas públicas do ensino básico até 2026. Na prática, o dispositivo amplia o prazo para que os recursos sejam usados até o fim de 2026, deixando de caducar este ano, ou então, precisam ser devolvidos à União.

Para colocar isso em prática, os estados que não empenharam recursos podem fazer uma repactuação junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para replanejar as execuções a partir de agora. Aprovada em 2021, a lei chegou a ser vetada pelo então presidente Bolsonaro, que alegou ser um empecilho para cumprir as metas fiscais, mas o Congresso derrubou o veto. 

A política pública, que inclui a contratação de serviços de acesso à internet em banda larga e de conexão, deve ser combinada com a criação do Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE) - organismo que será dedicado a mapear e monitorar ocorrências de violência escolar. O desafio é, ao mesmo tempo, ampliar o acesso digital e o controle sobre conteúdos potencialmente nocivos que se abrem a jovens ainda em formação.

“É fundamental que haja um controle social e uma participação da sociedade civil sobre as políticas de investimento em tecnologia e conectividade nas escolas. Porque a gente precisa conversar com esses professores, estudantes, ter informação complementar sobre educação digital crítica, entender o que é fake news, quais são esses espaços, como isso tudo funciona”, alerta Marcele.

Além disso, ela menciona a falta de um fórum que envolve a comunidade escolar e a sociedade civil para analisar a qualidade e o status da conectividade diante de uma aproximação com a iniciativa privada para a aquisição de novas tecnologias. “Porque por exemplo, no último governo houve uma parceria com o Elon Musk, que é um representante da mineração, e não teve uma conversa com os territórios para entender o que realmente viria com esse financiamento, com essa conectividade”, pontua.

Segundo ela, a Campanha não é avessa às tecnologias ou à conectividade, mas recomenda uma atenção maior à conscientização dos estudantes menores de idade que passam a frequentar a internet e todos os espaços abertos por ela. “Estamos falando de violência, cooptação de grupos de extrema-direita, por fake news, essas notícias todas que temos visto que estão relacionadas com o aumento da violência e com a vulnerabilidade desses estudantes”, enfatiza.

Fim da militarização no ambiente escolar

No dia 12, o Ministério da Educação também anunciou o encerramento do Programa Nacional das Escolas Cívico-militares, indo contra a militarização na escola básica incentivada durante o governo de Jair Bolsonaro. Decisão que se baseia em pesquisas segundo as quais não há evidências na diminuição da evasão e na inibição de casos de violência escolar, como havia sido prometido em sua implementação.

Também pesa o suposto desvio de finalidade das Forças Armadas neste processo, num vínculo que deve ser descontinuado gradualmente até o final deste ano. No dia 13, o ministro da Educação, Camilo Santana, rebateu críticas da oposição na Câmara dos Deputados, mencionando que o programa havia sido criado por decreto, não por lei, e que o FNDE não menciona a inclusão das Forças Armadas na Educação. 

“Há um conflito normativo, que inclusive o meu jurídico, junto com a AGU e CGU, está discutindo, porque nós estamos repassando recursos para as Forças Armadas para pagar coordenadores, monitores em escolas brasileiras. Nós temos 138 mil escolas no país, a adesão ao programa foi mínima, representa 0,28%, sendo que foram disponibilizados R$ 98 milhões a estados e municípios, dos quais foram empenhados apenas 0,24%”, disse. 

A extinção do Pecim, no entanto, não será seguida pela maioria das unidades federativas. Assim, policiais, bombeiros e membros das Forças Armadas seguirão sendo empregados por estados como São Paulo e Minas Gerais, além do Distrito Federal, que devem editar decretos próprios. No dia 31 de maio, o deputado estadual do Distrito Federal Max Maciel (Psol) questionou a resolução do governador Ibaneis Rocha (MDB). 

“Esse modelo de escola militarizada não é bom, não traz resultado, é um fiasco da Educação pública brasileira. E o Distrito Federal, ao invés reduzir, quer ampliar para mais 200 escolas, vendendo para a população dizendo que vai ter uma polícia na escola do seu filho. Mas existe uma coisa chamada Batalhão Escolar, em que falta contingente. Fica a pergunta: se falta contingente para o Batalhão Escolar, por que esses policiais estão dentro da escola?”, questionou.
 

Edição: Leandro Melito