Contra os cortes de árvores e obras no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, também conhecido como Parque Harmonia, em Porto Alegre, manifestantes e coletivos ambientalistas realizaram, na tarde deste domingo (16), um ato público nas proximidades do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). O grupo pede que a Justiça suspenda as obras no local. Até o momento 103 árvores foram cortadas e a previsão é de 435 cortes no total.
"O que nós estamos vendo agora, ao longo da orla de Porto Alegre, que vai do gasômetro até a Praia do Lami, é um ataque orquestrado, articulado, contra todos os equipamentos públicos para que eles, associados à construção civil, aos interesses de setores da construção civil, irem gradativamente se incorporando a um patrimônio privado", avalia o ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre no período das administrações populares, Gerson Almeida. Para ele, há na gestão do governo Melo (MDB) um comprometimento "a transformar as áreas públicas em mercadoria”.
“Qual a cidade pode se orgulhar de ter um magnífico lago como o Guaíba margeando, e qual a população que pode usufruir dessa beleza natural como passeio público, que é o que nós vemos, cada equipamento público colocado na orla é imediatamente assumido pela população de forma intensa”, complementa.
De acordo com o estudo “Estrutura trófica da Avifauna, publicado em 2005, o Parque Harmonia tem uma área total de 400.000 m², localizado na orla do Lago Guaíba, e possui uma variada diversidade de ambientes, como um pequeno banhado, mata nativa de restinga, mata de eucalipto, praia e campos, este último com maior predominância. O estudo assinado pelos pesquisadores Adriano Scherer, Scherezino Barboza Scherer, Leandro Bugoni, Leonardo Vianna Mohr, Márcio Amorim Efe e Sandra Maria Hartz, listou ainda que havia na época, 85 espécies de aves no local.
:: Por que o Parque Harmonia em Porto Alegre é exemplo de devastação ambiental ::
Conforme pontua o ex-secretário, há na capital gaúcha uma política de privatização da orla do Guaíba. Local que, segundo ele, “é um símbolo de todo o esforço que fizemos décadas atrás na administração popular de retomada da orla para a população". Por isso, ressalta que o protesto serve para "tentar impedir que essa guerra da prefeitura contra as coisas públicas, os espaços públicos de Porto Alegre" e que toda a população está convidada a se somar.
Presente à manifestação, o professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordenador-geral do Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack, afirma que cerca de dois terços da vegetação foi dizimada. “Estamos aqui defendendo essa área, o que resta dela e denunciando as irregularidades que são muitas. Também a destruição no que se refere a flora e fauna, um terço das árvores estão sendo cortadas, ou estão previstas para corte, 435 árvores, não é pouca coisa. E as aves aqui que existiam elas perderam o seu espaço de vida, a sua alimentação”, destaca.
Para o professor, a prefeitura vai ter que responder na Justiça pela ausência de estudos de impacto ambiental no caso de licenciamento. "Não existe licenciamento ambiental aqui, somente o número de árvores que vão ser cortadas, que não é pouco. Temos que lutar contra essa privatização, a destruição dos parques que está ocorrendo, não só na Harmonia, como também no Marinha do Brasil, na Orla como um todo, e também na Redenção, já vimos aqueles desastres que ocorreram ali em relação ao Refúgio (do Lago)”, lembrou.
Na avaliação do vereador Pedro Ruas (PSOL), a capital gaúcha vive um momento dramático. “Estamos vivendo a destruição do Parque da Harmonia, que é uma tristeza muito grande, além de ser um prejuízo para a nossa e para as futuras gerações. É também uma agressão bárbara a qualquer conceito que nós tenhamos de preservação da natureza, de preservação ambiental. Toda a cidade está vendo. Então não é possível continuar, nós temos que parar com essa barbárie. Vamos fazer a nossa parte”, ressaltou.
Projeto original alterado
De acordo com reportagem do Sul21, a arquiteta Eliana Castilhos, contratada pela Gam3 para a elaboração do projeto aprovado no Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), afirmou que o projeto original sofreu uma série de alterações que aumentam o impacto ambiental no Parque Harmonia. Enquanto o projeto original previa o corte de 80 árvores, o em curso já retirou 103 e prevê cortar até 435 árvores.
Durante reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara, realizada no último dia 11, o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, e a diretora administrativa da Gam3 Parks, Carla Deboni, alegaram que as alterações realizadas são “adequações” após “análise técnica” do projeto original.
Proponente da reunião, o vereador Aldacir Oliboni (PT), na ocasião levantou novas denúncias sobre a obra em curso. De acordo com ele, pelo contrato de concessão, a empresa teria direito a realizar somente três shows ou festivais musicais por ano e já teria realizado ou programado oito eventos semelhantes até o final do ano. Ele também afirmou haver descumprimento do contrato pelo fato da empresa não ter cumprido a permeabilidade mínima de 60% quando colocou material semelhante a asfalto no espaço anexo ao parque, onde fica o estacionamento. “Dois fatos que demonstram a falta de compromisso da concessionária no cumprimento do contrato assinado e da gestão municipal em não fiscalizar a sua plena execução”, disse.
Oliboni propôs a realização de uma audiência pública sobre o tema e a formação de uma comissão externa, com representação de todas as bancadas da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, para tratar especificamente do projeto no Parque Harmonia. Junto de ambientalistas, o vereador apresentou denúncias relativas às obras em curso ao Procurador-Geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo da Camino.
"Recentemente, chamou a atenção da população, dos vereadores e de diversos atores sociais o atual estado de conservação do Parque, devido ao desenvolvimento das obras de reestruturação e reconfiguração do espaço físico, antevendo a possível ocorrência de crimes ambientais e desrespeito às Legislações dos 3 níveis da Federação. Tais fatos levaram a realização de audiência na Comissão de Saúde e Meio Ambiente (COSMAM) da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, bem como, a constituição de inquérito civil público pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público do RS", destaca o documento, que também chama atenção para, além das questões ambientais, elementos contratuais e administrativos.
O documento também questiona o aumento dos índices de construção previstos no edital original de concorrência pública. "Uma das violações mais alarmantes é a que se refere a alteração dos parâmetros urbanísticos quanto a altura máxima permitida, que foi aumentada de 12 metros para 72 metros, sendo de 25m para as edificações no interior do parque e de 72m para as atrações e elemento figurativos, de acordo com o EVU aprovado."
Para os denunciantes essa modificação vai contra a diretriz originalmente estabelecida, trazendo impacto negativo na paisagem, na qualidade do ar e na preservação dos ecossistemas locais, agravada pela aparente ausência de estudos técnicos, considerada que a área é proveniente de aterramento da Orla do Guaíba.
Conforme pontuam os autores, deve ser averiguada a suspeita de expedição indevida de alvará de construção e emissão de licenças, sem estudos apropriados e em momento antecedente à aprovação pelos órgãos municipais. "Solicitamos encarecidamente ao Ministério Público de Contas que conduza uma investigação aprofundada sobre as violações mencionadas e suas consequências para o processo licitatório da concorrência pública 014/2020. É imprescindível avaliar a conformidade legal das alterações realizadas. Merecendo, ainda, um olhar atento outros certames do município realizados no período da pandemia", ressaltam.
Além de Oliboni, assinam a denuncia o vereador Jonas Reis (PT), a entidade Acesso Cidadania e Direitos Humanos, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), AtuaPoa - Coletivo em Defesa do Direito à Cidade, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e Felisberto Seabra Luisi (FRGP1/CMDUA).
Debate na universidade
A EcoAgência, agência de notícias do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS), promove um debate com o tema "A destruição dos parques em Porto Alegre" no dia de julho, às 19h. O evento ocorre no auditório da Fabico/Ufrgs e terá transmissão online pelo Youtube da EcoAgência.
*Com informações do Sul21
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira