Fui a um supermercado próximo e voltei com um monte de garrafas
Eu costumo dizer que minha vida, em termos de grana, é cheia de altos e baixos. Os baixos, quer dizer, de falta de dinheiro, foram mais prolongados do que os períodos de vacas gordas.
Quando vim morar em São Paulo, com 16 anos de idade, arrumei um emprego em que ganhava 13 mil cruzeiros, e o salário mínimo era 21 mil. Então, ganhava pouco mais que meio salário mínimo e não dava nem para cobrir minha despesa fixa.
Tinha que fazer hora extra todos os dias, para completar a renda. Trabalhava 9 horas por dia, de segunda a sexta, e nos sábados às vezes esticava até as 10 da noite. Assim, dava para sobreviver, mas não para repor as roupas e os sapatos que iam ficando sem condições de uso.
Meus sapatos, numa época, quase não tinham sola, tinham um buracão embaixo. E eu odiava fumantes: eles jogavam cigarro aceso no chão e quando eu pisava num deles, saía pulando e xingando.
Bom, aí vieram umas fases em que tive bons empregos, mas seja por encrenca com patrões ou chefetes autoritários, ou demitido por motivos políticos, ficava mais tempo desempregado do que empregado.
Uma vez, passei meses matando cachorro a grito, até que fui trabalhar na Secretaria do Bem Estar Social de Osasco. Estava endividado até o pescoço. No dia em que recebi o primeiro salário, saí pagando os credores.
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No dia seguinte não tinha mais nem um centavo, e comecei a pedir novos empréstimos, a serem pagos no final do mês. Assim foi durante muitos meses, até que num final de mês sobrou um pouco de dinheiro.
Eu morava numa república e resolvi comprar bebidas para nós. Fui a um supermercado próximo e voltei com um monte de garrafas.
Um dos moradores me disse que estava implicado: o pouco dinheiro que me sobrou, em vez de comprar comida, gastei tudo em bebida.
Expliquei pra ele: “Renato, a alimentação é mesmo prioritária, mas vamos supor que eu gastasse minha grana toda comprando comida. Um dia ia me dar vontade de beber umas e outras e se eu te pedisse dinheiro emprestado pra compra bebidas, você ia regatear um pouco, não? Mas se eu te pedir dinheiro emprestado pra comprar comida você não vai vacilar, né? Me empresta na hora”.
Ele entendeu. Meu raciocínio tinha lógica, vocês não acham?
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Gomes