O painel de investigação independente sobre o caso Ayotzinapa apresentou seu último relatório e afirmou que forças de segurança do México colaboraram no desaparecimento dos 43 estudantes ocorrido em 2014. Além disso, o grupo alegou que "obstáculos" colocados por órgãos do Estado mexicano impedem avanços na resolução do crime.
O Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), nomeado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para investigar o desaparecimento dos estudantes ocorrido há nove anos, deve deixar o país na próxima semana. Segundo o relatório apresentado nesta terça-feira (25), autoridades locais, estaduais e federais mexicanos sabiam do sequestro dos estudantes e, portanto, foram cúmplices no desaparecimento.
"[O Exército] não só permitiu os ataques, mas os encobriu posteriormente e não forneceu informações verdadeiras sobre o ocorrido", disse o médico espanhol Carlos Beristain, um dos membros do GIEI.
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Os jovens desaparecidos há nove anos eram estudantes do Colégio Rural Raúl Isidro Burgos, localizado na pequena cidade de Ayotzinapa, no estado de Guerrero, ao sul do país. Eles desapareceram entre os dia 26 e 27 de setembro enquanto viajavam em direção à Cidade do México para participar de atos políticos na capital.
À época, o caso chocou o país e desencadeou uma onda de protestos pedindo justiça. Ao longo dos meses após o ocorrido, o governo do então presidente de direita Enrique Peña Nieto realizou algumas prisões e ofereceu uma versão para o desaparecimento que hoje é contestada pelo atual governo e pelos investigadores do GIEI.
O então procurador mexicano responsável pelo caso, Jesús Murillo Karam, havia dito que batalhões da polícia local de Guerrero haviam detido e entregado os estudantes a grupos narcotraficantes que os confundiram com membros de uma gangue rival. Os jovens então teriam sido assassinados e seus corpos queimados.
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A versão, no entanto, é refutada pelo grupo de investigadores independentes, que afirma que algumas confissões de agentes de segurança presos foram realizadas sob tortura. Além disso, o GIEI alega que o Exército e o Centro de Investigação e Segurança Nacional (Cisen), o equivalente à agência de inteligência mexicana, tiveram um papel no desaparecimento dos estudantes.
"O Cisen fez um acompanhamento completo das atividades dos jovens, mas desse dia [do desaparecimento] apenas há dois relatórios, isso é estranho. Além disso, o Cisen ocultou seu papel nas prisões e nos interrogatórios", disse Carlos Beristain nesta terça-feira.
O membro do grupo de investigação também acusou que o próprio Exército - e não apenas alguns batalhões da polícia local como afirmava a primeira versão da Procuradoria - possuía ligações com grupos de narcotraficantes e que, além disso, eles viam os jovens como militantes e possivelmente guerrilheiros.
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"Há muitos documentos da Sedena [Secretaria de Defesa Nacional] que os acusa de serem parte da guerrilha. Isso os estigmatizou, é uma marca moral negativa, portanto não importava o que acontecesse com eles", afirmou.
Ainda segundo as informações reveladas nesta terça-feira, a Marinha e o Exército conduziram operações conjuntas relacionadas ao caso, mas que não podem ser reveladas. Segundo os investigadores, os arquivos de setores das Forças Armadas e de outros órgãos do Estado como o Cisen estão fora de alcance do grupo por decisão das autoridades mexicanas.
Até o momento, apesar de centenas de prisões que foram realizadas desde 2014, ninguém foi condenado pelo desaparecimento dos jovens. Além disso, existem 60 inquéritos judiciais abertos o que, segundo o GIEI, dificulta o andamento do caso pois, na verdade, todos os processos deveriam se unificar em uma só investigação.
"O risco é que a mentira se institucionalize como resposta, o que é inaceitável. Dói investigar nessas condições em que a assistência técnica se tornou uma corrida de obstáculos", disse Beristain.
Governo AMLO e comissão da verdade
Essa não é a primeira vez que o GIEI anuncia que deixará o país. Em 2016, somente dois anos após o caso e apenas com um ano de investigações, o grupo não teve suas credenciais renovadas pelo então presidente Peña Nieto e encerrou as atividades em abril daquele ano.
O último relatório apresentado pelo grupo naquele mês também apontava para altos escalões da Forças Armadas e da Justiça mexicana, acusando essas instâncias de "obstrução" das investigações. Além disso, o grupo acusava funcionários públicos de níveis locais e federais de assumirem uma "conduta negligente".
Em 2018, no entanto, o atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, assumiu o cargo prometendo retomar as investigações e renovou o mandato do GIEI. Além disso, o mandatário criou uma comissão da verdade elaborada pelo próprio Executivo para auxiliar nas investigações.
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Progressista e extremamente crítico ao governo anterior, AMLO defende o avanço dos inquéritos e havia prometido facilitar o trabalho do grupo independente com órgãos como Exército e Procuradoria, algo que até o momento seu governo não conseguiu cumprir.
Nesta terça-feira, o presidente comentou os anúncios feitos pelo GIEI, disse que o grupo e seu governo avançaram muito nas investigações e que se o governo de direita tivesse continuado no poder as investigações teriam fracassado.
"Agradecemos ao grupo pelo que fizeram. Nós vamos continuar com as investigações, avançamos muito. Eu comentei com eles que em poucos lugares, acho que em nenhum outro país do mundo, um governo conduz uma investigação como essa", disse.
Edição: Patrícia de Matos