Mulheres negras são o maior grupo populacional da Área Metropolitana de Brasília (AMB) e do Distrito Federal (DF), ao mesmo tempo em que compõem o segmento com as maiores desvantagens sociais e econômicas.
É o que aponta o Boletim Anual das Mulheres Negras divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF) em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), na última terça-feira (25), em alusão ao Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha.
O informativo foi produzido com base na análise dos dados apurados pela Pesquisa de Emprego e Desemprego, no DF e na Periferia Metropolitana de Brasília (PMB). Segundo Lucia Garcia, economista do DIEESE, segmentar a pesquisa por gênero e raça é importante para pensar em políticas públicas específicas para essas pessoas.
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“Não adianta ser só não-racista, a gente tem que ter uma postura antirracista num país que é um país negro. São mulheres que levam o país, e boa parte do mundo, em seus ombros. A mulher negra é o maior grupo sociodemográfico da população regional, do Centro-Oeste e do DF. Portanto, é extremamente importante individualizar este grupo para tratar de qualquer tema relacionado à política pública”, explicou a economista durante a apresentação do Boletim.
De acordo com a pesquisa, em 2022, 1 milhão e 264 mil mulheres negras compunham a população de 14 anos e mais da AMB, constituída pelo DF e 12 municípios goianos. Isso significa que elas representavam 35,9% das pessoas mobilizáveis para o mercado de trabalho na região. A maioria (68,4%) dessas mulheres moravam no DF, enquanto 31,6% residiam na periferia de Brasília.
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Em relação à inserção no mercado de trabalho, o Boletim revelou que as mulheres negras, em todos os recortes territoriais, estão na menor posição no grupo de pessoas ocupadas e na maior no grupo de desempregados.
Na AMB, as mulheres negras representam 32,8% da população economicamente ativa e 41,3% dos desempregados. Já na periferia essa discrepância é ainda maior: elas compõem 37,5% da população apta a trabalhar e 46,9% dos desempregados.
"Isso significa que a inatividade é bastante presente para as mulheres negras. Elas têm sua condição socioeconômica muito explicada por muitas vezes não terem acesso ao mercado de trabalho, por várias razões. É uma discriminação de mãos limpas, porque é uma discriminação de mercado. E isso é muito perverso, porque não tem como você apontar para quem faz. O mercado faz isso”, afirmou Lucia Garcia.
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Lugar designado no mercado de trabalho
A maior parte das mulheres negras que consegue acessar o mercado de trabalho estão nos setores de comércio e de serviços. A administração pública é o setor que mais absorve essa população na região. Segundo a economista do DIEESE, isso acontece porque esse segmento tem “regras de acesso” que aumentam a inserção de mulheres e pessoas negras.
O serviço doméstico é o segundo segmento do mercado que mais ocupa mulheres negras no DF e Entorno. Na periferia, ele é o principal foco de emprego (22,6%).
Em seguida, vêm outros tipos de serviços, como o alojamento e a alimentação. A menor proporção de mulheres negras ocorre nos serviços ligados à informação, comunicação e produção técnico-científica.
“É um lugar designado que torna muito difícil a vida dessas mulheres. Porque mesmo quando elas vencem os obstáculos colocados, vão estar nos piores lugares ou de menos prestígio”, explicou Lucia Garcia.
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Camadas de desigualdades
Além das discriminações impostas no mercado de trabalho devido à intersecção entre gênero e raça, segundo o Boletim apresentado, há mais uma camada de desigualdade imposta às mulheres negras, principalmente do Entorno: o território.
“Nós moramos em um território de grande dinamismo econômico, que é o DF, e que recruta o seu território de Entorno. Existem camadas de desigualdades que são acrescentadas no nosso território de acordo com o distanciamento de onde essa população se fixa em relação a essa dinâmica”, esclareceu a economista.
De acordo com os dados apresentados, as mulheres negras que moram na Periferia Metropolitana de Brasília têm a maior jornada de trabalho, de 40 horas semanais, mas o menor rendimento médio mensal, de R$ 1.703. Enquanto uma mulher negra que reside no DF tem um rendimento médio por hora de R$ 17,34, a que mora na periferia recebe apenas 9,95.
Segundo a economista Lucia Garcia, essa discrepância acontece devido à “gentrificação” do DF.
“Nós temos aqui aquelas camadas de discriminação que se sobrepõem e faz parte da história do país. Quando você desenha políticas públicas você tem que desenhar olhando pra isso”, afirmou.
Educação
O Boletim apontou ainda que as mulheres negras da AMB, assim como a população em geral, têm o nível de escolaridade de ensino médio completo.
Embora tenha uma população importante dessas mulheres represadas no ensino fundamental, há um número significativo das que completaram o ensino superior, o que pode estar relacionado às políticas de ações afirmativas que possibilitaram o aumento do ingresso de pessoas negras nas universidades.
Dados do último Anuário Estatístico da Universidade de Brasília (UnB) mostram que mulheres negras são maioria entre os alunos cotistas da instituição. "Embora a diferença seja tímida, ela é relevante, porque o impacto da formação de uma mulher preta e parda no ensino superior causa um impacto maior na sociedade", destacou a professora e relatora do projeto de cotas da UnB, Dione Moura.
Grande potencial, pouca valorização
Para a economista do DIEESE, os dados do Boletim mostram que as mulheres negras do DF e Entorno tem potencialidades que não são valorizadas e, por isso, acabam restritas à estigmatização que dificulta o acesso à condições mais dignas de trabalho.
“Nós estamos falando de uma população que é volumosa, que está presente no mercado de trabalho, que é cerceada nesse mercado de trabalho, que tem rendimentos inferiores, que é uma população que é muito atraída por movimentos migratórios, que assume responsabilidade familiar e que tem escolaridade, e, mesmo assim, é uma população que recebe pouco e é pouco valorizada, num quadro de estigmas construídos artificialmente pelo interesse do mercado nas modulações que a formação da população e da força de trabalho teve no Brasil”, concluiu Lucia Garcia.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino