SOBERANIA ALIMENTAR

O combate à insegurança alimentar nas metrópoles brasileiras: uma urgência nacional

Atualmente, somente 4 entre 10 brasileiros têm acesso pleno à alimentação

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar - Tânia Rêgo/Agência Brasil

A despeito do reconhecimento internacional da alimentação saudável como um direito universal pela Organização das Nações Unidas (ONU) e sua inclusão como direito social na Constituição, o Brasil está testemunhando um aumento alarmante nos índices de fome e insegurança alimentar, revertendo décadas de progresso.

Atualmente, somente 4 entre 10 brasileiros têm acesso pleno à alimentação. Mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar, sendo que cerca de 33,1 milhões de pessoas passam fome - esses dados foram apresentados em 2022, no 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (Rede PENSSAN, 2022). Este é o pior cenário alimentar identificado desde a década de 1990 num país que se apresenta como “celeiro do mundo”, onde o “agro é pop, é tech, é tudo”.

As mesmas regiões onde são registradas situações de pobreza e fome não se eximem de casos de obesidade, diabetes e pressão alta, o que indica uma dualidade preocupante: o acesso à comida não é amplo e, quando é possível obtê-la, os produtos disponíveis não proporcionam uma dieta de qualidade.

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Esses aspectos ficam mais evidentes tratando-se de grandes aglomerados urbanos e metrópoles, onde o acesso à alimentação saudável se distorce a ponto de conformar omissões e falhas na distribuição e comercialização de alimentos, relacionando-se diretamente com a insegurança alimentar da população. Essas áreas podem ser chamadas de desertos alimentares.

Na pesquisa desenvolvida no âmbito do mestrado*, foram identificados desertos alimentares distribuídos no território compreendido pela metrópole de Curitiba, tanto em áreas centrais, de alto valor da terra e de maior renda, como em regiões periféricas, de população mais pobre, de menos infraestrutura e acesso à cidade. Contudo, são nas áreas periféricas, de recente subcentralização, onde estão presentes os desertos alimentares em maior quantidade e com maior gravidade. Essas áreas oferecem pouca infraestrutura urbana e pouca qualidade de ocupação do espaço; são áreas onde não há diversidade de uso do solo; e de ocupação da malha urbana; com pouca mobilidade e micromobilidade urbanas; onde o desenho urbano não favorece a caminhabilidade e a ciclomobilidade; onde os instrumentos do planejamento urbano ainda não foram capazes de incentivar e atrair novos equipamentos de venda de alimentos saudáveis e a preços acessíveis.

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Esses são os desertos alimentares, espaços sem acesso à alimentação saudável e que coincidem, em grande parte, com o local de moradia dos indivíduos mais afetados pela dinâmica da insegurança alimentar nas cidades brasileiras: mulheres chefes de família, analfabetos, negros, pardos e indígenas. É urgente que o planejamento urbano atue nessas áreas, por meio de políticas públicas que promovam a melhoraria no acesso à alimentação saudável.

O processo de produção da cidade e do espaço urbano desempenha um papel relevante na conformação dos desertos alimentares e da insegurança alimentar nas cidades. Somam-se uma série de precariedades, que são características do contexto urbano e metropolitano do Brasil, às precariedades do sistema de produção e distribuição de alimentos. Como resultado tem-se 58,7% da população brasileira em situação de insegurança alimentar.

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É urgente agir no sentido de reorganizar as políticas nacionais de alimentação e nutrição que foram desmanteladas no governo anterior, retomar a articulação entre os entes federativos e criar novas iniciativas no âmbito urbano e metropolitano para trazer o alimento saudável à mesa da população. É preciso reafirmar o compromisso com as pessoas que tem fome, sintetizada na celebre frase do sociólogo Herbert de Souza na década de 1990: Quem tem fome, tem pressa!


*Marina Sutile de Lima é Mestra em Planejamento Urbano pelo Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano de UFPR, Arquiteta e Urbanista pela UFPR e Colaboradora do escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados.

**Este artigo é uma parceria entre Brasil de Fato Paraná e Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles

***Dissertação de mestrado intitulada “Desertos Alimentares em Curitiba: espacialização do fenômeno na metrópole”, defendida em julho de 2022 no PPU/UFPR, disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/78853

****Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Pedro Carrano