Conflito

Como as Coreias celebram os 70 anos de armistício

Trégua declarada em 1953 pôs fim ao derramamento de sangue na península coreana

|
Um posto de guarda norte-coreano (em cima) e um posto de guarda sul-coreano (em baixo) na cidade fronteiriça de Paju - Jung Yeon-je / AFP

As duas Coreias comemoram na quinta-feira (27/07) o 70º aniversário da assinatura do armistício que colocou fim a três anos de guerra.

De 1950 a 1953, os combates ceifaram 3 milhões de vidas, com tropas americanas e chinesas se enfrentando para apoiar seus respectivos aliados na península coreana. Mesmo sete décadas depois, há poucas chances de as duas Coreias deixarem o conflito para trás.

Na cidade sul-coreana de Busan, delegações dos EUA e de mais de 20 outros países que apoiaram a Coreia do Sul no âmbito da ONU participarão de uma cerimônia para comemorar o aniversário já nesta quarta-feira. As delegações também incluirão veteranos do conflito.

A Coreia do Norte, por sua vez, convidou altos membros dos governos chinês e russo para um desfile de tropas e equipamentos militares pelo centro de Pyongyang a fim de comemorar o que o regime insiste ser uma vitória.

O país vem intensificando sua retórica e demonstrações de seu poderio militar, mais recentemente lançando dois mísseis de alcance intermediário em sua costa leste na terça-feira.

Também nesta semana, o jornal norte-coreano Rodong Sinmun indicou que Pyongyang continuará desenvolvendo seu arsenal nuclear e mísseis balísticos. Um editorial publicado pelo jornal oficial do Partido Comunista disse que "não pode haver limite no fortalecimento do poder militar [da Coreia do Norte]".

"A paz eterna está no topo da autodefesa que pode prevalecer de forma esmagadora contra um inimigo", disse o artigo.

Trégua mantida por 70 anos

"O principal significado do 70º aniversário é que não houve nenhum grande conflito armado neste tempo", disse Rah Jong-yil, ex-diplomata e oficial sênior da inteligência sul-coreana. "Isso significa que o armistício foi bem-sucedido em manter a estabilidade, o que, por sua vez, permitiu à Coreia do Sul alcançar a democracia e um desenvolvimento econômico considerável", disse ele à DW.

"A Coreia do Norte, por outro lado, experimentou reveses econômicos significativos, mas, ainda assim, emergiu como uma potência militar", acrescentou.

No entanto, os dois lados permanecem entrincheirados em suas respectivas ideologias e não mostram sinais de cooperação ou mesmo comunicação, aponta Rah. O sul-coreano tinha 10 anos quando as tropas norte-coreanas invadiram sua terra natal em 1950, sendo forçado a fugir de Seul com sua família. Ele conta que eles "sobreviveram" em uma área ocupada por norte-coreanos até que as tropas da ONU forçaram os invasores a recuar.

"O Norte vai comemorar o que eles chamam de 'Dia da Vitória', mas isso é bem diferente da realidade", afirma. "Eles não venceram e os planos deles para uma Coreia unificada sob sua versão particular de socialismo falharam."

Como a Coreia do Norte enxerga o armistício

Fontes ocidentais avaliam que a Guerra da Coreia terminou sem um vencedor claro. Sob esta visão, o Norte comunista teria falhado em colocar o Sul capitalista sob seu controle, mas também os EUA e seus aliados falharam em derrubar o regime de Kim Il Sung, apoiado pela China e pela União Soviética.

Kim Myong Chol, diretor executivo do Centro para a Paz Coreano-Americana, com sede no Japão, uma organização que atua como porta-voz dos interesses de Pyongyang, compartilhou a perspectiva norte-coreana sobre a guerra e as relações com Seul sete décadas após o armistício.

Kim continua sendo uma figura controversa, geralmente atuando como porta-voz não oficial do regime norte-coreano. Ele também foi um confidente próximo de Kim Jong Il, pai e antecessor de Kim Jong-un.

"Claro que o aniversário é significativo, pois marca 70 anos desde a derrota americana", disse ele. "Antes da Guerra da Coreia, os Estados Unidos nunca haviam perdido uma guerra, mas depois que os derrotamos, eles perderam, como no Vietnã e no Afeganistão. Mostramos a outros países que os EUA podem ser derrotados."

"E agora temos ICBMs (mísseis balísticos intercontinentais) e armas nucleares, então somos fortes e os EUA sabem que não podem nos vencer."

Ele disse ainda que a Coreia do Norte "não tem relações com a Coreia do Sul e não precisamos dela".

"Não temos comunicações diplomáticas e só precisamos lidar com os EUA. E a única maneira de lidar com os EUA é pela força", afirmou.

Seul se afasta da 'Política do Sol'

Hyobin Lee, professora adjunta de política e ética na Universidade Nacional Chungnam, disse que nas décadas que se seguiram desde o armistício, houve anos em que os laços entre o Norte e o Sul pareciam estar melhorando. Mas este não é o caso atualmente, avalia.

"Melhorar as relações com a Coreia do Norte é, sem dúvida, uma questão complexa", disse ela. "Pelo fato de Coreia do Sul, EUA, China, Rússia e Japão abordarem o problema norte-coreano a partir de seus próprios interesses, as opções disponíveis para a Coreia do Sul decidir unilateralmente são limitadas."

"No entanto, a política mais eficaz até agora tem sido a 'Política do Sol' perseguida pelo presidente Kim Dae-Jung desde o final dos anos 1990, aponta.

A política se baseava em não tolerar provocações armadas do Norte, mas também na promessa de Seul de que não tentaria absorver o Norte e que, em vez disso, buscaria a cooperação.

"Alguns conservadores podem criticá-la como uma diplomacia de 'esmolas', mas acredito que é a única política capaz de sustentar o diálogo e ajudar a Coreia do Norte a abrir suas portas e incorporá-la à comunidade internacional", disse a professora.

Uma perspectiva "nada boa"

Kim Dae-Jung deixou o cargo em 2003 e os laços entre as duas Coreias continuaram instáveis. Sob Moon Jae-in, presidente entre 2017 e 2022, houve até uma impressão de melhora, mas isso se reverteu novamente quando Yoon Suk-yeol foi eleito no ano passado.

"Enquanto o governo Moon manteve uma diplomacia neutra entre as duas superpotências — os Estados Unidos e a China —, ao chegar ao poder, o governo Yoon optou por uma postura pró-EUA e anti-China", disse Lee.

A deterioração pode ser vista como resultado de mudanças na política externa da Coreia do Sul, acrescentou a pesquisadora, alertando que as chances de progresso no futuro próximo são pequenas.

O ex-oficial de inteligência Rah Jong-yil também manifesta pessimismo em relação a uma eventual redução das tensões:

"A política sul-coreana não é estável e o Norte desenvolveu uma capacidade militar considerável que inclui armas nucleares", disse ele. "Não parece nada bom."