O tráfico de pessoas ainda é uma realidade invisibilizada, mesmo que ao longo desses últimos anos tenha-se dado uma atenção especial na dimensão da prevenção. Quando falamos de tráfico de pessoas percebemos o grande impacto na vida das vítimas desse crime, pois toda a família é atingida.
Na Amazônia, o tráfico de pessoas acontece em diversos espaços e regiões. As regiões de fronteira têm um índice maior de casos por conta da dificuldade de fiscalização. No trânsito livre que as pessoas têm, acontecem as abordagens. Nas rodovias existe uma certa fiscalização, mas nos rios essa ação é bem menor, o que favorece o aumento dos casos de tráfico de pessoas.
A Igreja Católica vem acompanhado nesses últimos tempos os casos. A Rede Um Grito Pela Vida, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da Comissão de Enfrentamento ao Tráfico Humano, a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) acompanham essas denúncias. O caso mais recente foi um processo emigratório ilegal de crianças e adolescentes indígenas que foram levadas do município de São Gabriel da Cachoeira para a Turquia. Isso vem acontecendo em vários lugares. O problema é invisibilizado e muitas vezes isso não é reconhecido como crime do tráfico de pessoas. As vítimas do crime não se reconhecem.
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Haja vista todo esse processo com os jovens de São Gabriel da Cachoeira, a Polícia Federal só categorizou como crime de tráfico de pessoas porque houve uma grande incidência por parte da Rede Um Grito Pela Vida e de outras instituições e também pela sensibilidade do agente da pastoral e do agente da Polícia Federal que configurou esse crime como crime de tráfico de pessoas.
De acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2020 o estado do Amazonas registrou 60 notificações de tráfico de pessoas. Porém a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual no Brasil apontou que a região Norte possui a maior concentração de rotas de tráfico do país, com cerca de 76 caminhos, o que sugere a subnotificação dos casos. Não existem índices exatos, mas sabemos que o desaparecimento de crianças e adolescentes é um resultado do tráfico de pessoas, além da realidade de exploração sexual, de pessoas que acabam caindo nessas redes de exploração e tráfico não são registrados.
A realidade do tráfico de pessoas no Brasil e no mundo é muito semelhante. As pessoas, em busca uma vida melhor, recebem uma proposta de trabalho atraente. Por trás dessas propostas vantajosas pode acontecer o crime. Na região amazônica, os maiores índices são de exploração sexual, servidão doméstica e trabalho escravo. As vítimas aceitam um convite no intuito de realizar seus sonhos e caem em uma situação de exploração.
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Os impactos são enormes. Quando a pessoa consegue voltar da situação de exploração, tem que recomeçar a vida com suas forças e não tem ajuda do Estado. Essa é uma preocupação grande na questão das políticas públicas. É necessário pensar o 4º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, pois o terceiro plano já está muito desatualizado. É preciso retomar a questão dos comitês estaduais de enfrentamento a essa crime, que nos últimos quatro anos não funcionaram.
Estamos lutando para implementar essas políticas, porque sem os comitês organizados, não há planos de combate ao tráfico de pessoas em nível nacional ou estadual. É urgente pensar as políticas, os recursos para o atendimento às pessoas vítimas desse crime, retomar os comitês e os postos de atendimento avançado na região amazônica. Essas políticas estavam bem implementadas, mas se perderam nesses últimos quatro anos
Na minha experiência, quando atendemos uma pessoa vítima do tráfico para fins de exploração sexual, trabalho escravo ou até retirada de órgãos, sentimos uma indignação muito grande. Ao mesmo tempo, a realidade nos impulsiona para continuar o trabalho de prevenção. Quando falamos do tráfico de pessoas na região amazônica, nos damos conta de que esse problema está ligado a dois outros grandes crimes: tráfico de drogas e tráfico de armas, que se mesclam com a questão do narcotráfico, muito forte na região amazônica por conta da extensão geográfica e da falta de fiscalização e de políticas públicas.
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O crime tem se intensificado nas regiões de garimpo. Infelizmente o governo não tem tecido olhar para a questão do abuso e exploração sexual. Muitas meninas e jovens são aliciadas para os garimpos para trabalhar como cozinheira para fins de exploração sexual, o que configura tráfico de pessoas.
As instituições da sociedade civil realizam um trabalho de prevenção, dando visibilidade à realidade do tráfico de pessoas e atuando na prevenção, em um trabalho intenso nas escolas públicas, para alertar a juventude e também a sociedade. São através das campanhas que conscientizamos sobre essa realidade. As datas de 18 de maio, que trata a prevenção do abuso sexual, 30 de julho, que enfoca a questão do tráfico de pessoas e o dia 23 de setembro, que é o Dia Mundial de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, são parte do trabalho atento das comissões.
* Rose Bertoldo é membro do Grupo de Mulheres da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) e secretária executiva do Regional Norte I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Atua há mais de 10 anos na Amazônia. É religiosa da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria e integrante da Rede Um Grito Pela Vida.
Edição: Thalita Pires