O ex-diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, confirmou o envio de alertas sobre a gravidade dos atos golpistas do 8 de janeiro às autoridades responsáveis pela segurança acerca das manifestações bolsonaristas. O envio, no entanto, foi feito por meio de um grupo de WhatsApp, onde não houve a confirmação do recebimento de mensagens.
Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas, nesta terça-feira (1º), Cunha destacou que os alertas foram enviados aos órgãos por meio do grupo de WhatsApp, mas ressaltou que não há como confirmar se as informações chegaram de fato ao conhecimento de todos. “As 48 agências têm o compromisso de estar a par. Não tenho como dizer se o Ministério da Justiça leu os alertas ou não. Nós não temos o controle dessa cadeia”, afirmou Cunha.
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Estavam no grupo representantes de 48 órgãos, como da assessoria de inteligência do Ministério da Defesa, dos centros de inteligência das três Forças Armadas, da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Jader Silva Santos, que na época era subchefe da Coordenadoria de Avaliação de Riscos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também estava no grupo. Gonçalves Dias, então ministro do GSI, não estava presente.
Ministério da Justiça e GSI
Em entrevista ao Metrópoles em 10 de abril deste ano, o ministro da Justiça, Flávio Dino, alegou que não recebeu os alertas provavelmente porque foram enviados pelo WhatsApp. “Eu creio que [isso ocorreu] em razão da metodologia que era usada anteriormente para esses relatórios serem enviados, via grupos de WhatsApp. Hoje, eu recebo relatórios da Abin físicos, eu recebo o envelope. (…). Eu leio e tomo decisões e eventualmente comunico outras áreas do governo, comunico para o presidente da República. Isso não existia, não existiu. Eu não sei dizer o motivo, porque nós tínhamos cinco dias de governo. Então, eu realmente nunca recebi relatório da Abin”, afirmou Dino.
Durante audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, em 28 de março deste ano, Dino também negou ter recebido os alertas. “Inventaram que eu recebi um informe da Abin, que é tão secreto que ninguém nunca leu, nem eu mesmo. Por quê? Por uma razão objetiva: eu jamais o recebi.”
Para Dino, a Polícia Militar do Distrito Federal, coordenada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, não cumpriu o planejamento operacional. "Qual o engendramento criminoso que levou ao 8 de janeiro em Brasília? Em primeiro lugar, pessoas organizaram violência para quebrar, invadir, para matar. Em segundo lugar, essas pessoas estão sendo julgadas pelo poder Judiciário, e devem ser julgadas. E a PMDF, infelizmente, não cumpriu aquilo que estava escrito do planejamento operacional da Secretaria de Segurança do DF, que é o órgão constitucional competente para prover garantia da ordem pública", disse Dino ainda durante a audiência na CCJ. Integrantes da PMDF estavam, inclusive, no grupo de WhatsApp onde foram disparados os alertas da Abin.
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Sobre o GSI, Cunha confirmou que o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, pediu que fosse retirado os registros de que recebeu os alertas da Abin do primeiro relatório de inteligência enviado ao Congresso Nacional. G Dias, como também é conhecido, teria alegado que não faz parte do grupo de WhatsApp para onde foram enviados alertas. Somente Jader Silva Santos estava no espaço enquanto representante do GSI. O ex-diretor da agência também rebateu os congressistas que disseram se tratar de uma ilegalidade. “A ordem não é ilegal porque é o ministro que determina quais informações serão encaminhadas”, disse.
No total, a Abin enviou dois relatórios ao Congresso Nacional sobre os alertas emitidos. No primeiro, enviado em 20 de janeiro, Gonçalves Dias aparece nos registros de receptores dos alertas. Já no segundo, encaminhado em 8 de maio, seu nome foi suprimido.
Durante CPI do 8 de Janeiro do Distrito Federal, em 22 de junho, G Dias afirmou que não fraudou os documentos. “A Abin respondeu à solicitação do Congresso com um compilado de mensagens de aplicativo, em que tinha dia e tempo, na coluna do meio o acontecido e na última coluna a difusão. Esse documento tinha lá ‘ministro do GSI’. Não participei de nenhum grupo de WhatsApp, eu não sou o difusor daquele compilado de mensagens. Então aquele documento não condizia com a realidade. Esse era um documento. Ele foi acertado e enviado.”
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O ex-ministro também afirmou que não falou anteriormente com Saulo Moura da Cunha sobre “nenhum esquema especial para o dia 8 de janeiro, domingo, porque não havia nenhuma informação que nos indicasse que ocorreria o que ocorreu”.
No dia dos atos golpistas, no entanto, Moura da Cunha afirmou durante à CPMI que trocou mensagens com Gonçalves Dias sobre a gravidade da manifestação. “No momento em que a marcha saiu, recebo uma ligação de um colega responsável pela segurança de um dos prédios dos Três Poderes muito preocupado. Nesse momento, divido com ele as nossas preocupações e ligo para o G Dias. Falei para ele que eu e o responsável pela segurança tínhamos a impressão, e até uma certa convicção, de que as sedes dos poderes seriam invadidas ou pelo menos haveria uma ação violenta. Isso por volta de 13h30 da tarde, e ele [Gonçalves Dias] diz que achava que teríamos problemas.”
Reunião do DF sem a presença do GSI
Segundo o depoimento de G Dias à CPI do DF, em 6 de janeiro ocorreu uma reunião na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal com o objetivo de desenvolver o Plano de Apoio Integrado (PAI), que visava abordar possíveis manifestações violentas. O ex-ministro alegou, entretanto, que GSI não recebeu convite para participar desse encontro. O Ministério da Justiça esteve presente na reunião.
“O PAI determinava que deveria haver bloqueio e revista dos manifestantes na altura do Buraco do Tatu, onde fica a Rodoviária do Plano Piloto, quando o Eixo Monumental deixa de ser uma via eminentemente dos Poderes de Brasília e passa a se tornar a Esplanada dos Ministérios e depois deságua na Praça dos Três Poderes”, explicou o ex-ministro.
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O bloqueio foi feito, mas a revista, não. “Os manifestantes romperam o cordão de isolamento da PM e impediram a revista. Deveria existir, depois dali um bloqueio total que impedisse o acesso à Alameda das Bandeiras e à Praça dos Três Poderes, e ele aparentemente não existiu, ou foi tênue e inexpressivo”, disse. “Na avenida em frente do Palácio, a resistência da Polícia Militar foi vencida. A partir de então, passaram a agir como se tivessem uma coordenação e atuaram como se fossem cercar o Palácio.”
Em depoimento em abril deste ano na CPI, a subsecretária de Operações Integradas, a coronel Cíntia Queiroz de Castro, disse que Dias foi convidado, mas não compareceu à reunião.
Alertas
No total, a Abin enviou, entre os dias 2 e 8 de janeiro, 33 alertas. "Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios", diz o trecho de um alerta da Abin. "Conforme a ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], houve aumento do número de fretamentos de ônibus com destino a Brasília para este final de semana. Há um total de 105 ônibus, com cerca de 3.900 passageiros", diz outro trecho.
Antes de 8 de janeiro, a maioria dos alertas produzidos pela Abin referiam-se à concentração de manifestantes em frente a unidades militares nas capitais do país, aos bloqueios de rodovias federais e à "convocação para atos em frente a refinarias e distribuidoras".
"A perspectiva de adesão às manifestações contra o resultado da eleição convocadas para Brasília para os dias 7, 8 e 9 jan. 2023 permanece baixa. Contudo, há risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades. Destaca-se a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional. Outros edifícios na Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo das ações violentas", diz um dos alertas disparado em 6 de janeiro.
Uma reportagem do GLOBO mostrou que autoridades militares afirmaram que os relatórios tinham informações insuficientes e que foram enviados informalmente. Já a Abin diz que os dados foram encaminhados "por meio de canais adequados, decididos prévia e conjuntamente”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho