A iniciativa ainda gera renda e capacita cerca de 800 mil famílias de 15 assentamentos
Em um grande freezer, em meio à cozinha profissional da 'Escola Sorvete', é possível ver dezenas de sacos de bananas congeladas. A fruta é apenas uma dentre as tantas cultivadas de forma orgânica e utilizada no sorvete Gelado do Campo. Cerca de 70% da polpa de fruta e creme de leite fresco compõem o doce livre de conservantes e flavorizantes, produzido com matérias-primas orgânicas dos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Por trás das receitas está o chef Francisco Sant’Ana, também criador da Escola Sorvete. Ele conta que a ideia surgiu quando um colega precisava descartar mangas produzidas pela agricultura familiar.
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"Eu faço parte do 'banquetaço' que é um coletivo. Aí um dia o pessoal disse: o povo tá com problema, tem uma tonelada de manga para apodrecer - no meio da pandemia - aí eu falo: manda para mim, eu tenho a câmara fria. E aí eu começo criando essa relação e falando com as pessoas, mas por que vai apodrecer? Isso aqui é para chamar atenção das pessoas sobre economia circular, sustentabilidade e cadeia produtiva. Por exemplo, a gente usa os até copinhos de mandioca".
A iniciativa também é mais uma possibilidade de geração de renda e de capacitação para cerca de 800 a mil famílias, distribuídas em 15 assentamentos em diversas cidades do estado de São Paulo. Algumas regiões ainda têm um processamento mínimo de preparar a polpa e outras regionais já mandam a fruta in natura para a escola sorvete.
"De maior volume nós temos manga, temos abacate, abacaxi, acerola, uvaia e amora. Mas a gente tem projeção para vários outros sabores. Por exemplo, o morango orgânico, a laranja orgânica. A gente processa a fruta aqui na escola mesmo; todo o processo de higienização e depois essa polpa vai diretamente para esse processamento", explica Simone Tomaz dos Santos, que integra a direção do MST-SP.
"A gente fornece outros produtos, por exemplo a COAPAR de Andradina (SP) que é a nossa cooperativa de leite então fornece o creme de leite, fornece o leite em pó fornece o leite em processamento de esterilização. Então a parceria é muito mais ampla do que só as frutas mesmo", complementa.
O diálogo com a 'Escola Sorvete' já passa de quatro anos, pois Francisco já adquiria produtos do MST. Além disso, a escola levava carrinhos de sorvete para as atividades do Movimento. Com sabores variados, o lançamento da marca ocorreu na 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária ocorrida em maio deste ano na capital paulista.
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"O gelado do campo é um instrumento de luta, é uma bandeira para você dizer para as pessoas sobre a alimentação. Sobre comida, não é só uma sorveteria. É um discurso, é uma ferramenta de ação", ressalta Francisco.
Na contramão da indústria de ultraprocessados, que domina boa parte do mercado de sorvetes, a ideia também é promover um debate sobre a regularização da produção no país. De acordo com Francisco, não há, hoje, a obrigatoriedade do uso de frutas de verdade no processo de fabricação dos sorvetes no Brasil.
"O que as pessoas comem na rua hoje como o sorvete: água gordura vegetal, composto lácteo que é o soro que usa na alimentação animal muitas vezes. É um produto de baixa qualidade dentro do contexto do lácteo, o soro, amido, gordura vegetal de novo, corante e flavorizante em proporções que em nenhum lugar do mundo se usa. Então o cara vende isso cancerígeno, produto de má qualidade, com excesso de ar, com tudo que você quiser. Tem regra? Não", afirma.
"Precisa existir no Brasil uma regulamentação para isso, né? Para a gente ter minimamente um sorvete de qualidade que dialogue com várias outras questões, que é o aumento da produção da demanda de frutas no mercado. Isso vai incentivar a agricultura a produzir e a plantar, além da própria questão de saúde mesmo, como problemas de obesidade", acrescenta Simone.
O projeto prevê a formação na fabricação de sorvetes em todas as regiões do estado de forma remota, fazendo assim, com que as famílias assentadas e organizadas nas associações e cooperativas fabriquem e distribuam os sorvetes de forma descentralizada e com as frutas de cada região do país. Com isso a produção deve crescer ainda mais.
Edição: Douglas Matos