As mulheres conscientes deste país lutaram pela democracia. Por meio do nosso voto, derrubamos a ameaça fascista e, com isso, consolidamos a força e a vigência do Estado Democrático de Direito.
A luta feminina é e sempre foi árdua e complexa, mas estamos conseguindo vencer barreiras que há pouco pareciam intransponíveis. Elegemos parlamentares potentes para nos representar, levando nossa voz ao debate político. Fomos responsáveis pela vitória de um governo federal que trouxe como um elemento central em sua campanha o respeito às pautas identitárias. E contamos com brilhantes juristas plenamente capacitadas para compor os tribunais deste país.
No entanto, ainda assim, ao olharmos para o Estado brasileiro, o que estamos enxergando são mulheres sendo perseguidas no Legislativo, inseguras no Executivo e ignoradas no Judiciário.
Na Câmara dos Deputados, as nossas representantes estão sob o risco de serem silenciadas em razão de um absurdo processo ético-disciplinar que tem um claro viés de violência política de gênero. Sâmia Bomfim, Érika Kokay, Juliana Cardoso, Célia Xakirabá, Fernanda Melchionna e Talíria Petrone estão sendo processadas por trazerem manifestações legítimas, ao longo de sua atuação nas comissões parlamentares de inquérito (CPIs).
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No Poder Executivo, as valorosas Ministras que compõem o governo estão ou já estiveram na berlinda. Outras viram seus poderes serem esvaziados por manobras políticas rasteiras. Ao longo desses sete meses, os movimentos feministas já se mobilizaram pela permanência das ministras Nísia Trindade, Ana Moser, Marina Silva, Joênia Wapichana e agora estamos aflitas por termos que reafirmar a importância da permanência das ministras Cida Gonçalves e Esther Dweck.
Judiciário
No Poder Judiciário, observamos a ascensão desproporcional de homens, em especial nas mais altas Cortes. A única mulher a compor a lista sêxtupla para a vaga da advocacia no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Daniela Teixeira, está sendo alvo de inúmeros ataques machistas. E estamos assistindo chocadas e revoltadas à inaceitável possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) ser composto por dez homens e uma mulher branca, caso mais um homem seja nomeado para ocupar a vaga que será deixada pela ministra Rosa Weber, em outubro.
É estarrecedora tal cogitação, considerando que temos mulheres extraordinariamente competentes e capacitadas, com uma carreira brilhante e méritos de sobra que lhes outorgam plenas condições para ocuparem a cadeira. Destacam-se os nomes das juristas Adriana Cruz, Daniela Libório, Lívia Vaz, Lucineia Rosa dos Santos, Manuellita Hermes, Mônica de Melo, Simone Schreiber e Vera Lúcia Santana.
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Relacionamento abusivo
Relações abusivas são compostas por um pouquinho de coisas boas e muitas coisas ruins. Por um pouco de verdade misturada com informações desencontradas que fazem com que a vítima viva sempre insegura. Esse estado de coisas gera angústia, ansiedade e uma constante sensação de pânico e medo.
É isso que as mulheres brasileiras estão sentindo. Um medo constante. Os ataques diários aos nossos direitos, experenciados ao longo dos últimos quatro anos, não cessaram. Até a própria Maria da Penha, a mulher que inspirou uma das melhores leis do mundo em matéria de defesa de direitos das mulheres, está sendo atacada! Sua história está sendo relativizada através de um documentário espúrio que contesta a sua versão dos fatos, causando uma terrível revitimização. Ela, que sofreu abusos terríveis tanto de seu parceiro quanto do Estado brasileiro, novamente está sendo alvo de covardes ataques, desta vez, à sua honra.
O ecossistema de desinformação continua atuante e destilando ódio contra as mulheres. Só teremos força para contra-atacar e conseguir nos defender se estivermos nos espaços de decisão, se nossa voz for ouvida e verdadeiramente levada em consideração.
É urgente que os homens que estão em posições de comando e decisão reflitam sobre suas condutas e como elas se projetam em relação às cidadãs brasileiras. Estamos pedindo o mínimo do Estado brasileiro. Queremos apenas respeito e deferência àquelas que foram responsáveis pela manutenção da democracia.
* A Coalizão Nacional de Mulheres propõe-se a ser um espaço de articulação de ações de forma coletiva que visa reunir os grupos e mulheres feministas progressistas de todo o país.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas