A despeito da malária ter um tratamento eficaz, é crucial que ele seja introduzido precocemente
Embora o Brasil tenha conseguido reduzir os casos de malária no ano passado em relação a 2021, dados preliminares, relativos ao primeiro bimestre deste ano, mostram um avanço de mais de 12% na comparação com o mesmo período de 2022.
A doença tem tratamento e está controlada no país fora da região amazônica desde a década de 1950. Atualmente, mais de 90% dos casos são registrados nessa área. Além disso, o Brasil conseguiu diminuir significativamente as infecções a partir de 2007, saindo de patamares superiores a 400 mil por ano para números abaixo de 200 mil.
Ainda assim, a malária permanece um desafio. Ela avança com o desmatamento e as mudanças climáticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2021, foram mais de 245 milhões de casos e 619 mil mortes no planeta.
Mais de 90% dos registros ocorreram no continente africano. Mas o problema preocupa outras regiões, inclusive nações onde a doença havia sido erradicada. Em julho passado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos confirmou cinco casos de malária no país após duas décadas sem infecções.
No Brasil, as mortes entre pessoas indígenas mais que dobraram ao longo dos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL). O dado foi levantado em janeiro pelo jornal Correio Braziliense, por meio da Lei de Acesso à Informação. Nos últimos meses, um surto epidêmico atinge aldeias Sateré-Mawé, na Terra Indígena Andirá Marau (AM). São mais de 400 ocorrências confirmadas.
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No início do ano, o Ministério da Saúde teve que atuar emergencialmente em comunidades Yanomami, atingidas por uma forte onda de desnutrição e crescimento expressivo da malária. O cenário também foi resultado dos anos de negligência da gestão conservadora, que impulsionou o crescimento do garimpo ilegal na região.
Segundo o infectologista André Siqueira, pesquisador do Laboratório de Doenças Febris Agudas, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz, existe risco de disseminação de casos para outras regiões.
“A malária é uma doença transmitida por mosquitos, mas que tem o seu reservatório hospedeiros humanos. Como as pessoas se movimentam e há mosquitos potencialmente transmissores em quase todas as regiões do Brasil, o risco de disseminação para outras regiões é real. Temos visto isso com a desmobilização das áreas de garimpo no território Yanomami. Há casos de malária em outras localidades para onde essas pessoas ligadas ao garimpo se deslocaram.”
O pesquisador ressalta que a combinação desse deslocamento com a interrupção de políticas de prevenção piora o cenário. “Uma vez que há migração de pessoas infectadas para determinadas regiões ou interrupção das ações para diagnóstico, tratamento e controle, os casos de malária podem aumentar. Essa combinação de fatores resulta nesse aumento de casos expressivos. Isso leva uma necessidade de reestruturação do sistema de atenção, vigilância e controle para restabelecer níveis mais baixos de transmissão.”
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Com diagnóstico e tratamento disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), o controle dessa realidade depende diretamente da descoberta da infecção e do atendimento prestado. A diretora do Núcleo de Enfrentamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Terezinha Marta Pereira Pinto Castiñeiras alerta que os casos registrados em áreas fora do território amazônico tendem a se agravar pela demora no diagnóstico.
"É relativamente comum que ocorra retardo de confirmação do diagnóstico da malária fora da área endêmica. Em áreas onde a malária é comum, a hipótese é sempre considerada diante de um quadro febril, por exemplo, e o tratamento tende a ser instituído precocemente. Fora de área endêmica, a hipótese de malária nem sempre é sequer cogitada.”
Castiñeiras pontua que o atraso na confirmação laboratorial e no tratamento leva a casos mais graves. “Em outras palavras, a despeito da malária ter um tratamento eficaz, é crucial que ele seja introduzido em momento oportuno e precoce. O atraso no tratamento, de fato, é a principal explicação para a letalidade da malária ser tão elevada fora de área endêmica, cerca de 100 a 200 vezes maior, a despeito de uma melhor assistência e de cuidado intensivo.”
Vacinas, tratamentos e avanços
O Brasil tem como meta eliminar transmissão local da malária até 2035. O desenvolvimento de uma vacina nacional contra a doença está entre as prioridades nos investimentos governamentais para inovação em saúde. Até 2026, a gestão atual quer garantir que 70% da demanda por insumos do SUS seja atendida por tecnologia nacional.
Já existe um imunizante em uso no mundo, mas ele é eficaz contra o Plasmodium falciparum, microrganismo transmissor da malária predominante na África. Existem outros cinco tipos de parasitas que podem causar a doença. No Brasil predomina o Plasmodium vivax, causador de 90% das infecções registradas.
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) indica que a variedade provoca infecções menos graves. Publicado em julho, o estudo mostrou que a malária vivax induz o organismo a uma resposta imune mais bem regulada. Além disso, dados internacionais divulgados no mesmo mês apontaram que duas novas vacinas tiveram resultados promissores contra a doença encontrada em território nacional.
Há avanços também nas terapias pós-infecção. Um levantamento realizado pela Fiocruz Amazônia em Manaus (AM) e Porto Velho (RO) acompanhou os resultados do uso do medicamento tafenoquina em mais de 6 mil pessoas infectadas. A resposta foi positiva, com a vantagem de ocorrer com dose única, o que reduz consideravelmente o tempo de tratamento que antes era de duas semanas.
Outro ponto de melhoria recente está nas testagens de bolsas de sangue para doação. Um mecanismo desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz) é o único com essa capacidade e foi implementado no fim do ano passado na hemorrede brasileira.
Chamada de Kit NAT Plus, a ferramenta já testou mais de 500 mil bolsas e encontrou 12 infectadas pela doença. A descoberta pode ter barrado a contaminação de quase 50 pessoas que receberiam sangue.
Com informações da Agência Brasil
Edição: Vivian Virissimo