Luan* tem 15 anos e, franzino, aparenta ainda menos idade. Vive na comunidade da Prainha, no Guarujá (SP), uma das que, desde 27 de julho, é alvo da Operação Escudo. Em uma semana, a megaoperação com 600 policiais na Baixada Santista matou, segundo a Secretaria de Segurança Pública, 16 pessoas.
“Está tendo muito tiro. De manhã, de noite... Somos inocentes e podemos tomar bala. O negócio está uma guerra”, conta Luan, ao comentar que nunca tinha vivido nada parecido. “Não estou indo para escola, porque não dá. E é isso que a gente está vivendo. Favela pede paz”, diz.
Seu vizinho, Adriano*, tem 17 anos. Apontou a tatuagem e sua cor de pele negra. “Não devo nada, mas sei que sou alvo”, assegura. “Eles [policiais] estão vindo para matar. Não estão vindo para brincadeira. Então é bom ficar dentro de casa, né? Guardado”.
Essa é também a nova regra imposta na casa de Joyce, que vive na Prainha com o marido e seis filhos. Assim que escurece, ninguém mais sai de casa. Os meninos, relata, estão tomando "enquadros" (batidas policiais) sistematicamente.
Nesta semana, Joyce interveio quando policiais abordavam seu filho de 15 anos. “Eu, como mãe, me manifestei na hora. O policial disse 'estamos fazendo nosso trabalho', mas estou com medo, coagida”, expõe. “E uma bala perdida? E se atravessa as paredes das nossas casas? Estamos em casa, mas não estamos guardados”, diz.
De fato, mesmo “guardado”, corre-se risco. Moradores desta e outras comunidades ocupadas militarmente – como Sítio Conceiçãozinha e Morrinho – relataram ao Brasil de Fato que policiais estão invadindo as casas “com pé na porta”, sem mandado judicial, querendo saber quem tem antecedente criminal. “É barraco, palafita, é favela. Então eles se acham no direito. Onde eles querem, eles entram”, descreve Joyce.
Denúncias recolhidas pela Ouvidoria das Polícias e uma comitiva de parlamentares do PSOL e do PT apontam que há, entre as vítimas fatais, aqueles que foram assassinados dentro de casa ou depois de serem retirados de lá à força. É o caso de Flávio Sérgio Menezes Cabral, morto a tiros de fuzil por policiais do Baep (Batalhão de Ações Especiais) dentro de uma casa no morro do Jabaquara na última terça (1).
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e comandada pelo ex-policial da Rota, Guilherme Derrite, se referiu aos assassinados como “suspeitos”. E anunciou que “todas as ocorrências com morte durante a operação foram resultado da ação dos criminosos, que optam pelo confronto”.
Cauê, morador de 16 anos da comunidade de Conceiçãozinha, não se conforma com essa versão. “É mentira”, afirma categórico. “Quem é louco de trocar tiro com a Rota? Quem é louco? No meio de uma megaoperação ainda? Fala para nós”.
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Alexandre*, de 23 anos, tomou um enquadro essa semana e diz ter sido ameaçado. “Deixaram bem claro: 'se nóis te pegar durante a noite, na madrugada, nóis vai passar, vai matar'. Falaram o ditado que eles sempre falam: 'a mãe faz, a Rota mata'. É isso que eles falam para nós”, conta.
“Eles querem vingança, entendeu?”, diz Alexandre. A Operação Escudo, que até a última sexta (4) prendeu 128 pessoas, foi deflagrada como resposta à morte do soldado Patrick Reis, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na última quinta (27). “Mas a comunidade não tem culpa de nada, mano. Quem sofre são os moradores”, aponta Alexandre.
Apesar de o governo de São Paulo afirmar ter prendido os autores dos disparos que mataram o policial da Rota, a previsão é que a operação dure no mínimo 30 dias.
“Em vez de nós enterrarmos nossas mães, nossas mães estão enterrando os jovens. Não pode ser assim, não”, se indigna Alexandre: “População pede paz para todas as comunidades”.
*Os nomes foram alterados para preservar as fontes.
Edição: Rodrigo Durão Coelho