Os Diálogos Amazônicos, megaevento com mais de 20 mil integrantes de movimentos populares que precedeu a Cúpula de Belém, na capital do Pará, foi a forma que o governo federal encontrou de incluir na Cúpula da Amazônia os anseios das populações indígenas e tradicionais. O encontro foi ao mesmo tempo um protesto e uma celebração da existência da sociodiversidade amazônica.
Participando dos Diálogos Amazônicos, Elisângela Tembé encarava o evento com ceticismo. "Nada disso [Diálogos da Amazônia] está sendo verdade. É só uma imagem falsa". No dia da abertura do evento, o filho dela, Kauã Tembé, 19 anos, foi baleado por um segurança da empresa Brasil BioFuel (BBF), uma gigante do agronegócio que produz óleo de palma para biocombustíveis.
No território dela, uma área de retomada indígena a 200 km de Belém, não há diálogo. Seus parentes são, nas palavras dela, "massacrados" pela BBF. Tudo com a complacência da Polícia Militar (PM) e a omissão do governo estadual, segundo as lideranças indígenas. Na região, o grupo indígena realiza constantes protestos contra as atividades da empresa, que geram intensos impactos ambientais.
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Confira a reportagem em vídeo:
A mãe compareceu ao encontro em Belém (PA) para denunciar a situação permanente de violações de direitos humanos. Enquanto isso, seu filho estava hospitalizado na capital paraense.
"Eu tenho medo de perder meu filho. Ele está na sala de cirurgia nesse momento. Ninguém sabe de notícia até agora. E, mesmo no hospital, para mim, ele está correndo risco. A empresa [BBF] foi covarde", disse Elisângela ao Brasil de Fato no último sábado (5). Kauã sobreviveu e está em recuperação.
Urutau Tembé, pai de Kauã, acompanhava a esposa Elisângela durante os Diálogos Amazônicos.
"Hoje a gente vive amendrontado de sair da nossa aldeia para reivindicar, para vir pra cidade, com medo de não voltar. Nós pedimos socorro e justiça. E a pessoa que fez a agressão contra meu filho, quero que ele seja punido, que ele pague pelo que ele fez", afirmou Urutau.
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Mais pessoas baleadas
Três dias depois que o Brasil de Fato conversou com o casal, outros três indígenas foram baleados durante uma ação de seguranças da BBF. Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acari, contesta a legitimidade dos Diálogos Amazônicos, em meio aos crescentes ataques contra os Tembé.
"Enquanto estão pregando aqui [nos Diálogos Amazônicos] palavras bonitas e discurso perfeito, os verdadeiros originários desse país estão sendo mortos", afirmou Miriam à reportagem. "Nós precisamos vir para cá para gritar por socorro e para que isso não continue acontecendo", defendeu.
Os ataques aos Tembé durante os debates pré-Cúpula da Amazônia revoltaram lideranças e ativistas indígenas de todas as partes do Brasil. Marciely Tupari, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), disse durante o evento que recebeu a notícia com muita tristeza.
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"Será que esses diálogos novamente vão realmente valendo a pena? Será que, a partir desse momento, eles vão estar respeitando os direitos dos povos indígenas?", diz Marciely.
A Secretaria de Segurança Pública do Pará informou que o suspeito de atirar contra Kauã Tembé já está preso. Disse também que a Polícia Militar (PM) não participou das operações.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, destacou a necessidade de investigação sobre o caso. “Obviamente, [é necessário] a atuação do Poder Judiciário para que não haja violência e a negociação para a solução da controvérsia em torno da questão fundiária. Nesse momento, a atuação do Ministério da Justiça é uma atuação de acompanhamento daquilo que esses outros órgãos estão providenciando”, afirmou Dino, como noticiado pelo G1.
Versão apresentada pela BBF
Em nota (acesse a íntegra) enviada ao Brasil de Fato, a empresa Brasil BioFuel (BBF) alega que a "equipe de segurança privada do Grupo BBF" agiu com o propósito de "conter a ação criminosa e resguardar a vida dos trabalhadores que estavam no local".
Segundo a empresa, um grupo de 30 pessoas "incendiou dezenas de tratores, maquinários e também edificações da companhia". A BBF atua no local desde novembro de 2020, quando assumiu os ativos da antiga empresa Biopalma, subsidiária da Vale.
Em nota, Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que o órgão está acompanhando a as providências tomadas em relação ao caso. "Desde a sexta-feira (4), quando o indígena Kauã Tembé foi baleado, a Secretaria-Geral acompanhou de perto as providências tomadas por outras pastas, no sentido de apoio e suporte a comunidade e acompanhamento das investigações e responsabilização dos envolvidos", diz a nota. A nota informa, ainda, que os "Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério dos Povos Indígenas estão diretamente envolvidos, além da atuação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que esteve no local buscando providências".
Além disso, a Secretaria-Geral ressaltou que "o ministro Márcio Macêdo prestou solidariedade às lideranças indígenas da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que integrou a Comissão que entregou a Carta da Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia". Leia a nota na íntegra aqui.
Edição: Thalita Pires