Da horta, a gente faz a conexão da agroecologia com todos esses outros sentidos e desafios da vida
Ao lado de prédios de alto padrão, um espaço de cuidado, luta, e transformação. Esse é o cenário da horta comunitária da ocupação 8 de março, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
"Esse é o cheio de conservas cheio de outros outros tipos de produto químico e esse é o nosso natural feito com o que a gente colheu daqui da horta é tomate, pimentão, alho, manjericão tudo natural", conta a produtora agroecológica Maria Simone Pires.
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O dia 4 de setembro vai marcar dois anos da ocupação onde resistem 350 famílias organizadas pelo MTST no terreno, que fica no bairro nobre de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Iniciava assim a ocupação 8 de março.
"O terreno era só lixo e mato era lixo, matos e mais mato, montanhas, montanhas de lixo. Foi uma luta, foi luta, cada dia que a gente vinha era um caminhão de lixo da caçamba de mais caçamba de lixo", relembra Rosilene Domingos da Silva.
As histórias do local são um retrato de um Brasil piorado após a pandemia do novo coronavírus. No início, as moradias tinham formato de ocas, construídas com bambu e lona. Das ocas, foi construído um banheiro e, logo após, uma cozinha solidária. Foi atrás desta cozinha que foi erguida pelas mulheres da ocupação a primeira horta da comunidade.
"Batata doce, inhame, macaxeira, coentro, o que a gente mais usava na cozinha a gente começou a fazer a plantação, explica a coordenadora da ocupação Tamires dos Santos Vieira. Ela também lembra que o solo do terreno tinha muito lixo, insetos e roedores.
"Então, o plano para a gente comer foi totalmente por água abaixo, porque os ratos começaram a fazer tocas e comer o nosso alimento. Isso foi uma uma dificuldade e uma tristeza muito grande", conta.
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As dificuldades para o manejo da horta comunitária pelas mulheres da 'Ocupação 8 de Março' foram superadas com a chegada do projeto “Agricultura Urbana - Produzindo Comida de Verdade e Gerando Qualidade de Vida”. A iniciativa que assessora 15 comunidades na Região Metropolitana de Recife (PE) é realizada por três organizações: a ONG Fase, o Centro Sabiá de Agroecologia, e a Casa das Mulheres do Nordeste.
Apesar de o projeto ter sido encerrado oficialmente em junho, as hortas continuam a todo vapor nos territórios. "Da horta, a gente faz a conexão da agroecologia com todos esses outros sentidos e desafios da vida cotidiana. E as mulheres é que tão à frente, tão estão protagonizando, né?, ressalta a agrônoma e educadora Sarah Vidal.
"A gente faz diálogos, rodas de conversas sobre, por exemplo, a questão do acesso a água, da melhoria da educação e sobre a saúde, né? Também sobre questões políticas que a gente tem construído e as incidências políticas no campo feminista e no campo da agroecologia", complementa Sarah, que organiza os encontros semanais de assessoria técnica para a manutenção e manejo agroecológico da horta, além das rodas de conversas para socialização e construção de saberes.
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Jessica trabalhava desfiando meias no município de Limoeiro, a 80km de Recife. Ela ganhava entre R$1,00 e R$2,00 reais por unidade, recebendo, em média, 50 reais por dia. A trabalhadora conta que só agora ela, o marido, e os dois filhos estão tendo a oportunidade de comer alimentos in natura e orgânicos.
"Agora eu tenho minha casa, não pago mais aluguel. Sobrevivo da horta. De lá tiro meu alimento: coentro, tomate, alface, cebolinha, tudo que eu tiro de, boto dentro de casa para alimentar minha família. porque lá no interior era muito difícil alimento assim né? Graças a Deus veio temos o sustento, uma vida melhor por conta da horta", agradece.
Além dos legumes e vegetais, as ervas medicinais cultivadas na horta ajudaram a melhorar a saúde das famílias na 8 de março. É o caso de Severina Conceição. "Eu tinha uma dor de barriga forte, disenteria que não parava. Estou melhorando com aquela planta vermelha ali", diz.
"Eu mudei minha reeducação alimentar, a gente mudou aqui da da das criança, dos idosos, de várias pessoas, de de de trocar e fazer, fazer um um tempero diferente, botar um um manjericão, botar eh pegar fazer um chá que vende na farmácia a gente tem aqui, vamos ver como é a diferença que o da farmácia faz mais efeito de que o daqui e e a população mesmo é ela vê que a a a verdadeira raiz que a gente planta é o que que nos faz nos sobreviver", reforça Tamires.
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Mãe de cinco filhos, Rosilene conta como o projeto a ensinou a proteger as plantas de pragas e insetos indesejados . "Tem a receita caseira que é de alho também. A gente aprendeu a fazer. Aí a gente sai e deixa no máximo uma semana para cultivar, para ficar aquele cheiro e colocar nas plantas".
O terreno que estava abandonado e onde hoje vivem cerca de mil pessoas organizadas pelo MTST pertence à incorporadora Anbar Participações. Ao todo, a empresa acumula quase R$ 500 mil em dívidas com o município e a União, de acordo com o movimento.
"O movimento ele não não só se se baseia pela luta pela moradia, mas sim pelo direito da cidadania de cada um ter a sua própria a sua própria dignidade", destaca a coordenadora da 'Ocupação 8 de Março', ao falar sobre como a horta se relaciona com o direito à moradia.
"A horta é luta, visse com a com a oito de março a gente luta todos e a gente luta aqui por uma batalha. Seja bom, seja ruim, na alegria, na dor, na tristeza, é luta", complementa a produtora Rosilene.
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Edição: Douglas Matos