Coluna

A floresta da política brasileira

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Lula em pronunciamento após reunião dos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em Belém (PA), em 08/08/2023 - Ricardo Stuckert/PR
É contraditório buscar a redução do aquecimento global defendendo os combustíveis fósseis

Olá! Fora de casa, o destino da Amazônia divide os países da América Latina. E, dentro de casa, o centrão tenta transformar o governo numa selva para devorar ministérios.
.Petróleo no chopp. A Cúpula da Amazônia em Belém era central para reforçar a imagem de estadista de Lula e recuperar o papel do país como “líder dos emergentes”, impulsionado pelo cartão de visitas ambiental. Nesse sentido, a Cúpula teve sucesso onde encontrou consenso. Tanto os líderes dos países participantes, quanto os povos indígenas reunidos antes do evento, concordaram que a Amazônia não pode chegar num ponto de “não retorno”: se o desmatamento acabar com 25% da Amazônia, a floresta perde a capacidade de se regenerar e entra num processo de savanização. Atualmente, 20% da Amazônia brasileira já desapareceu. Como principal definição, foi anunciada a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, com metas nacionais para alcançar o desmatamento zero. Para o Brasil, a data limite é 2030. Também foram importantes o estabelecimento de um Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo para o combate ao narcotráfico e outros crimes na região, e uma Coalizão Verde dos bancos de desenvolvimento para financiamento do desenvolvimento sustentável. Porém, o documento final, como analisa o Brasil de Fato, ficou pouco contundente e com mais desejos do que ações. E, justamente por culpa do Brasil. Afinal, o que o governo não respondeu – ou não sabe dizer – é como parar o desmatamento sem mexer com seu amor não correspondido pelo agronegócio e com a mineração, que também envolve aliados locais como Helder Barbalho. E a principal polêmica veio da insistência do próprio Lula em explorar petróleo na foz do Amazonas. Como deixou claro seu colega Gustavo Petro, é contraditório buscar a redução do aquecimento global defendendo os combustíveis fósseis. Sem acordo, o tema do petróleo não entrou também no documento final, assim como o garimpo ou o agronegócio. Ao mesmo tempo, a rusga entre os presidentes da Colômbia e do Brasil relembra os atritos entre Lula e o presidente chileno Gabriel Boric em relação ao regime venezuelano, ocorrida em maio passado, reforçando a divisão das esquerdas latino-americanas.

.Vai, não vai. O governo terminou o primeiro semestre com a vitória da reforma tributária, a conciliação com o centrão e a expectativa de que o segundo semestre seria dedicado a uma agenda positiva. E nada seria mais positivo para o Planalto do que uma melhora significativa na economia. A redução de meio ponto da taxa Selic foi comemorada, com razão. Mas ainda não é o suficiente e mesmo que o Copom admita que ela deve baixar, o ritmo deve ser de lento e limitado a meio pontos por mês. O pessimismo do BC vai na contramão até da Faria Lima, satisfeita com investimentos estrangeiros bilionários que andam aportando no país. Já para as classes populares, a expectativa do governo é de que a próxima fase do Desenrola Brasil, para renda até 2 salários mínimos, impulsione o programa e reduza o número de endividados. Mas a esperada cereja do bolo deve ser mesmo o PAC 3 que deve ter lançamento com pompa cinematográfica. Porém, não é só de boa vontade que depende a pauta econômica. No emaranhado, o fio de problemas do governo passa pelo BC e pelo Congresso, mas termina no Planalto. Para que o PAC tenha recursos e saia do papel é preciso que o novo arcabouço fiscal seja finalmente aprovado pela Câmara, que ainda vai debater a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e esta depende igualmente da aprovação do arcabouço. Outro impasse vive a reforma tributária, que segundo o governo foi excessivamente descaracterizada na Câmara e precisa ser reajustada no Senado. E, para o Congresso voltar a trabalhar, a reforma ministerial precisa acontecer. O termômetro é que os deputados avaliam melhor o governo Lula que seu antecessor, mas os congressistas cobram também maior atenção do governo, segundo a pesquisa Quaest. Leia-se, emendas e cargos. Até agora, sobra tiroteio entre os ministros que estão na Esplanada e tiros livres do Congresso em direção às vagas, mas nenhum desenho à vista. No xadrez de encaixar nomes e cargos, vale incluir no pacote a possibilidade do centrão escolher os presidentes de 5 agências reguladoras federais

.O golpe da semana. Se os projetos prioritários do governo andam a passos lentos no Congresso, o ritmo das CPIs não é diferente. A quinta CPI contra o MST tem data para terminar e não deve dar em nada. Na outra ponta, a CPMI do 8 de janeiro segue presa na queda de braços entre o governo e a oposição, que se agarra a ela como última tábua de salvação. Aliás, a paralisia do Congresso contrasta com as ações assertivas da PF e do STF para investigar e reprimir o legado bolsonarista. Enquanto os deputados e senadores da Comissão ouviam o depoimento requentado de Anderson Torres e o Conselho de Ética da Câmara engavetava as denúncias contra Nikolas Ferreira e Carla Zambelli, o Supremo ordenava a prisão do ex-diretor da PRF, Silvinei Vasques. Ele foi o responsável pelas operações da PRF no segundo turno das eleições, concentradas no nordeste, que segundo as investigações visavam dificultar a votação nos redutos eleitorais de Lula. À atuação de Vasques soma-se a de um núcleo golpista ligado ao agronegócio, que atuava sob a alcunha de Movimento Brasil Verde Amarelo e a de militares do GSI que enviavam periodicamente informações sobre a rotina de Lula para Mauro Cid, ajudante de Bolsonaro. E quanto mais a rede aperta os peixes pequenos, como Cid e Anderson Torres, mais revela-se que por trás deles os peixes grandes vestem fardas. O rastro de lama já alcançou Campos Neto, mostrando que a autonomia do Banco Central é lorota quando o assunto era reeleger o chefe. Mas, mesmo depois dessas descobertas e prisões, o bolsonarismo continua vivo. Sobrevive na militância nas redes sociais, onde se destacam os políticos do PL, campeões na divulgação de fake news, mas sobrevive principalmente na disputa do legado de Bolsonaro. Com a inegibilidade do capitão, a luta pela sucessão já começou, liderada por Tarcísio de Freitas, que anda fazendo jogo duplo. Em compensação, Romeu Zema tenta sair do ostracismo e rivalizar com seu colega paulista. Afoito, Zema não fica atrás de um Silvinei Vasques quando o assunto é atacar o Nordeste. O que prova que o bolsonarismo é também um projeto de reedição da República Velha e de supremacia do Sul e do Sudeste.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Candidato assassinado, estado de exceção: o que está acontecendo no Equador? Entenda a mais recente onda de violência política no Equador. No Brasil de Fato.

.Dependência e Superexploração. O Instituto Tricontinental publica dossiê sobre a atualidade internacional do pensamento da Teoria Marxista da Dependência, impulsionada por economistas brasileiros.

.O Thomas Sankara que eu conheci. Joséphine Ouédraogo relembra sua experiência como ministra do governo revolucionário de Burkina Faso, que iniciava há 40 anos. Na Jacobin Brasil.

.Atrás das grades, um Brasil jovem e negro. Infográfica da Piauí detalha a população carcerária brasileira, uma cidade do tamanho de João Pessoa.

.Saúde: projetos de lei que podem mudar drasticamente seu plano. 270 projetos de lei unem farmácias, grupos hospitalares e empresários que encarecem planos privados e sobrecarrega o SUS. No Intercept.

.Oito teses para aprofundar a luta feminista. Para as professoras Silvia Federici e Verónica Gago, o feminismo é fundamental para lutar contra as guerras, as crises e as dívidas.

.O arco-íris de Conceição Evaristo completa 20 anos. No Suplemento Pernambuco, as duas décadas da obra e da autora que transformou a literatura negra no Brasil.

 

* Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas