Dia da Juventude

Juventude interrompida: jovens continuam a ser as grandes vítimas de violência no Brasil

Efeméride marca 25 anos da Declaração de Lisboa, que conclama nações a aplicarem políticas para proteger esse público

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Protagonismo jovem precisa ser efetivado e naturalizado pela sociedade - Thamires Messerchimidt/Levante Popular da Juventude

O Dia Mundial da Juventude segue com poucos motivos para comemoração no Brasil. Por aqui, jovens fazem parte dos grupos que mais sofrem as consequências da violência. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, mais de 50% das mortes violentas que ocorreram em território nacional no ano passado vitimaram pessoas com idades entre 12 e 29 anos. 

A pesquisadora e professora da Universidade Federal de Goiás, Miriam Fábia Alves, afirma que o Brasil tem um debate urgente a fazer sobre a proteção da vida da juventude e a cultura da paz. Presidenta do Centro de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude (Cajueiro), ela ressalta que o debate precisa, necessariamente, ter o protagonismo jovem.  

"Temos uma participação importante da juventude nas pautas atuais, em relação à educação e em relação ao meio ambiente, por exemplo. Aqui no Brasil, acho que precisamos promover uma pauta urgente com as juventudes na defesa da vida. Mas, ao mesmo tempo, há uma tentativa da sociedade brasileira de secundarizar essa participação."

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A faixa etária dos 12 aos 29 anos representou 76% das vítimas de violência policial no país. O racismo estrutural se junta à estatística: 83% das pessoas mortas pela polícia em 2022 eram negras. Os jovens pretos são, portanto, os maiores alvos da agressividade das forças oficiais de segurança. Eles também formam uma parte considerável da população carcerária do Brasil. Pessoas com até 29 anos formam 43,1% do total desse grupo. Já os homens negros respondem por 68,2%. 

A população de mulheres com idades entre 18 a 24 anos é a que mais sofre feminicídio no Brasil. Esse tipo de crime guarda uma componente ainda mais cruel. Para os outros tipos de violência o risco diminui a partir dos 29 anos. No caso dos feminicídios, as mulheres continuam sob constante perigo por cerca de 15 anos a mais. Mais de 70% dos casos ocorrem entre os 18 e os 44 anos. 

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Essa realidade afasta jovens de direitos fundamentais, como educação, trabalho e saúde. "Os jovens que vivem em contexto de violência extrema, eles evadem da escola. Já os jovens que estão inseridos em contextos de violências mais perceptíveis no dia a dia e que frequentam a escola têm comportamentos ou de retração ou de reprodução da violência no ambiente escolar", alerta o pesquisador Frederiko Luz. 

Histórico 

Há 25 anos, países do mundo todo se reuniram em Portugal e se comprometeram a formular e aplicar soluções para os problemas que atingem jovens no mundo todo. A Declaração de Lisboa sobre Políticas e Programas de Juventude firmou o compromisso internacional de busca pelo desenvolvimento e pela paz, com garantia de direitos e envolvimento dos mais altos níveis de governo. 

Um ano depois, a Organização das Nações Unidas instituiu o Dia Internacional da Juventude, celebrado globalmente todo 12 de agosto. De lá para cá, a data abriu espaço para debater os diversos aspectos sociais que mais atingem essa população. A violência não ficou de fora da pauta. 

Além de ser destaque entre as determinações do próprio documento, o tema foi tratado diretamente em pelo menos três ocasiões entre os debates que marcaram a data ao longo dos anos. Ainda assim, permanece um dos maiores desafios para juventudes no mundo todo. 

Ações intersetoriais

Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Juventude (GEPEJ), professor do ensino médio e doutor em educação, ele aponta que as soluções para o problema passam necessariamente por ações conjuntas. 

"A escola não é o único espaço de convivência dos jovens. Aliás, como eu disse, jovens que têm contato com violência extrema nem na escola estão. As secretarias de educação e o Ministério da Educação precisavam trabalhar de forma mais conjunta com as secretarias de esporte, com as secretarias de cultura, com os ministérios da Cultura, do Esporte, da Cidadania, para pensar soluções e ações de abrangência mais ampla. Que possamos considerar os jovens, não de forma segmentada, mas de forma integral."

A Declaração de Lisboa estabeleceu urgência no enfrentamento da violência contra jovens e na prevenção da participação desse público em atos violentos, particularmente de terrorismo em todas as suas formas e manifestações de xenofobia e racismo, ocupação estrangeira e tráfico de armas e drogas.  

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Segundo o documento, é preciso "reforçar o papel dos jovens e das organizações juvenis na construção da paz, prevenção e resolução de conflitos". O texto defende a promoção de aprendizagem intercultural, com foco na tolerância, educação em direitos humanos, democracia e solidariedade, como meio de prevenir conflitos. 

A professora Miriam Fábia destaca a necessidade de transformar o protagonismo jovem em ações e políticas que efetivamente se concretizem na prática.  

"Quando os jovens dizem 'revoga o ensino médio', quando querem acesso à cidade, à arte, à cultura, a participação é vista como algo muito legal. Mas na hora de garantir isso, temos muita dificuldade de materializar e assegurar que tudo isso seja efetivamente importante e, consequentemente, garantido para essa população." 

A Declaração de Lisboa encara a juventude como protagonista primordial para a cultua da paz, "com o objetivo de progresso social, combate às desigualdades e reconhecimento da importância do diálogo e da cooperação."

Cabe ao poder público e à sociedade, auxiliar e facilitar essas contribuições, para "garantir que jovens mulheres e homens vivam em um ambiente livre de ameaças, conflitos, todas as formas de violência, maus-tratos e exploração", expressa a carta.

Edição: Nadini Lopes