Da luta não fujo, repetia incansavelmente Margarida Alves, mulher, camponesa, sindicalista rural, que, por enfrentar a tirania dos latifundiários, foi brutalmente assassinada em 12 de agosto de 1983, em Alagoa Grande, no Brejo da Paraíba, na frente do único filho e marido.
Margarida acreditava na luta por direitos, especialmente das mulheres, por reconhecimento social e político, igualdade e melhores condições de trabalho e de vida no campo e na floresta, enfim, acreditava na justiça!
Nesse sentido, a luta pelo direito ao acesso e cultivo da terra se insere, e faz parte da luta pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver. Essa luta, histórica e sangrenta, inaugura uma nova fase, via poder judiciário, a partir da experiência exitosa da solução de conflitos por meio consensual.
Criada em 23 de outubro de 2019, a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná tem buscado solução consensual para os conflitos fundiários coletivos, urbanos e rurais, seja na fase pré-processual, seja quando já distribuída a respectiva ação judicial.
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A partir dessa experiência, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução número 510/2023, que regulamenta a criação, no âmbito do CNJ e dos Tribunais, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, instituindo diretrizes para a realização de visitas técnicas, e protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva, ou de área produtiva de populações vulneráveis.
Para além das comissões implantadas nos tribunais de justiça do país, a participação das servidoras e dos servidores do sistema de justiça é fundamental, levantando essa bandeira na luta pelo cumprimento da Constituição Federal, que, em vários artigos adverte que a propriedade deverá atender a sua função social.
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O art. 182, por exemplo, tratando da política urbana, prevê, em seu parágrafo 2º: a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor; e o artigo 186, no capítulo relativo à política agrícola, fundiária e de reforma agrária, elenca requisitos a serem obedecidos para que essa propriedade seja considerada cumpridora de sua função social: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Nesse sentido, temos que a nossa Carta Magna assevera o uso da terra condicionando-o ao bem-estar coletivo. A responsabilidade pelo cumprimento dessa premissa, além do poder judiciário, cabe também ao legislativo e ao governo federal, este devendo priorizar ações para a solução dos casos de conflitos fundiários e ameaça de despejo urbano ou rural, com destinação de investimentos federais para esse fim. Atendimento das famílias atingidas por eventos climáticos e desastres, como deslizamentos, enchentes ou secas, e fortalecimento das políticas públicas de habitação que priorizem as populações mais vulneráveis.
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Além disso, envidar todos os esforços para a realização de uma reforma agrária popular e que faça uma redistribuição justa da terra para a produção de alimentos e bens de consumo, além da extração de recursos naturais e energia de forma sustentável, a fim de que toda a população seja contemplada pelos bens proporcionados por ela.
As comissões de conflitos fundiários estimulam o diálogo e a resolução dos conflitos por meios consensuais, além da busca por soluções pacíficas e que contemplem todas as partes. Porém, em um dos países com maior concentração de terras do mundo e onde estão os maiores latifúndios, domínio este que estabeleceu as raízes da desigualdade social que perdura até hoje, muito mais precisa se feito para mudar essa realidade que aponta que o risco de despejo e remoções atinge mais de 1 milhão de pessoas em todo o Brasil.
Assim como Margarida Alves, nós, trabalhadoras e trabalhadores do sistema de justiça acreditamos que, tanto na cidade quanto no campo e na floresta, deve prevalecer o modo de bem viver, livre de violências, com oportunidades e condições de vida digna para todos, onde os direitos trabalhistas sejam garantidos e as relações de trabalho estejam baseadas na cooperação e na justa remuneração, onde o acesso à terra, seus bens diversos e frutos garantam subsistência e soberania nacional, de forma que esses direitos sejam disponíveis de forma universal, muito antes do lucro. Da luta não fugiremos!
*Arlete Rogoginski é coordenadora-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados (Fenajud)
**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Pedro Carrano