São Paulo tá um frio danado, não me diga que você foi pegar o avião desse jeito
Muita gente diz que, quando se aposentar, vai passar o resto da vida viajando. Mas só conheci um cara que falava isso e cumpriu, o Marinho, professor de matemática da rede estadual de São Paulo.
Separado e sem filhos, ele tinha poucas despesas. Antes mesmo da aposentadoria, fiz várias viagens com ele e outros amigos, e gastávamos pouco. Às vezes conseguíamos carona em caminhões e sempre nos hospedávamos em hotéis bem baratinhos.
No Nordeste, região preferida para as nossas viagens, a gente se hospedava em hotéis com quartos para dez pessoas ou mais, dormindo em rede. E se a gente levasse a rede, pagava menos.
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Nas suas viagens de aposentado, ele manteve um hábito raro: mandar cartões postais. Em cada lugar que ia, comprava uns cartões; ia a um boteco e passava horas ali, bebendo cerveja e escrevendo nos cartões para os amigos. Descrevia o lugar em que estava e filosofava um pouco.
Ele ia de avião até uma capital qualquer e, dali, seguia cada vez num rumo. Nessa fase de aposentado, suas viagens duravam meses, e ele levava uma mochila pequenininha, leve, com uma bermuda, um calção, umas duas camisetas, cuecas e material de higiene pessoal.
Naquele calor, não precisava usar roupas quentes, andava sempre com bermuda, camiseta e sandália, e quando mandava lavar a roupa usada, ela ficava pronta no mesmo dia; então não tinha problema.
Uma vez, fui passar uns dias na Baía da Traição, cidade pequena do litoral paraibano, e tive que sair de São Paulo encapotado, para pegar o avião até João Pessoa (PB).
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Era julho e fazia um frio lascado. Troquei de roupa em João Pessoa e continuei rumo à Baía da Traição levando na mochila aquela roupa pesada, além das leves que usaria lá.
No dia seguinte, chegou o Marinho com a bagagem de sempre, uma mochila com quase nada. Minha namorada ficou impressionada e perguntou: “Marinho... São Paulo tá um frio danado, não me diga que você foi pegar o avião desse jeito, de bermuda e camiseta”.
Aí ele contou: “Fui pro aeroporto de Guarulhos, com calça grossa e quente, camisa de manga comprida, agasalho quente, sapato e meia. Quando cheguei a João Pessoa, tirei tudo isso e levei ao correio. Mandei por sedex pra minha casa em São Paulo... Não vou ficar carregando aquilo tudo, né? Eu sempre faço assim”.
E eu aprendi mais uma... Nunca tinha pensado nisso.
Edição: Douglas Matos