Deputados e senadores da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram relacionar o jornalista Adriano Machado, fotógrafo da Agência Reuters, aos atos golpistas que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília.
O deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), por exemplo, afirmou, sem apresentar provas, que Machado teria participado dos atos golpistas bem ao redor da sede da Polícia Federal, também em Brasília, em 12 de dezembro. “Deu publicidade aos atos e não cumpriu seus deveres de jornalista. Participou de um ensaio de golpe, para o qual foi contratado para fotografar”, disse.
Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) insinuou que Machado poderia ser “do governo Lula” ao dizer que o fotógrafo estava sendo respeitado na comissão. “É muito importante a gente perceber logo de cara como é diferente o tratamento que se dá quando se chama alguém da oposição ou do governo Lula. Você vê o respeito que estão tendo com o senhor”, disse Girão. O parlamentar ainda endossou o discurso de Ramagem ao dizer que Machado teria feito um “ensaio” dos atos golpistas.
Outros parlamentares chegaram a dizer que Machado teria sido contratado para realizar um ensaio dos atos de vandalismo e que o repórter fotográfico teria sido conivente com os crimes praticados pelos bolsonaristas. “Quem é idealizador desse documentário? Quem convidou o senhor?”, questionou o senador Magno Malta (PL-ES).
“Ninguém tocou um dedo no senhor. O senhor estava, na minha cabeça, dentro de um documentário e vendo uma cena criminosa. O senhor se torna conivente com os autores daquilo. O senhor corre o risco de responder processo de duas mil pessoas” que estavam nos atos golpistas. “Eu tenho conhecimento que o senhor vai responder a esses processos.”
:: Em depoimento a CPI no DF, general Heleno chamou 8 de janeiro de 'demonstração de insatisfação' ::
A despeito das acusações sem provas, Machado, no dia dos atos golpistas, estava a trabalho na sede do Congresso Nacional, e registrou a ação dos bolsonaristas, bem como outros fotógrafos e profissionais da comunicação que estavam no local. O profissional mora em Brasília e, desde 2016, trabalha como fotógrafo da Agência Reuters registrando eventos do governo federal. Como fotojornalista, ele atua há cerca de 25 anos e cobriu eventos como posses presidenciais e o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016.
“Eu exerço o meu trabalho de acordo com os princípios de confiança da Reuters, que fornecem a base para o jornalismo profissional e baseado em fatos, que a Reuters produz há mais de 170 anos. Eu recebi um treinamento e atualizações contantes sobre os princípios de confiança desde que eu comecei a trabalhar para a Reuters. De acordo com esses princípios, estou comprometido a fornecer informação de forma imparcial e confiável para o benefício de todos os clientes em todo mundo. Além disso, estou comprometido a trabalhar com integridade, independência e isenção de viés”, afirmou Machado aos parlamentares.
O profissional afirmou que não conhece nenhum dos bolsonaristas que estavam no local e que foi ameaçado por um deles, inclusive, com um taser de choque. Machado também disse que foi intimidado a apagar as fotos que havia feito.
Após a divulgação de um vídeo pela CNN Brasil, no qual Machado aparece atrás de um grupo que arrombou a porta de acesso à antessala do gabinete da Presidência da República, o fotógrafo afirma que precisou fechar as suas redes sociais devido aos ataques virtuais que vinha recebendo.
:: Empresário bolsonarista admite ter financiado acampamento golpista ::
Em nota, a Reuters defendeu a cobertura fotográfica feita por Machado, “que foi imparcial e de interesse público”. “Ele testemunhou um grande grupo de manifestantes subindo a rampa principal do palácio e os seguiu para documentar o desenrolar dos acontecimentos. Nós defendemos a sua cobertura, que foi imparcial e de interesse público", diz o comunicado.
Na mesma linha, instituições que atuam em defesa da comunicação também saíram em defesa de Machado. As organizações Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Tornavoz, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) afirmaram que a convocação de Machado é uma tentativa de intimidar o trabalho jornalístico.
"A liberdade de imprensa é um direito previsto pela Constituição Federal absolutamente fundamental para o bom funcionamento do regime democrático. A tentativa de intimidar um fotojornalista é, portanto, um claro ataque ao Estado Democrático de Direito, que não pode ser corroborado pelo Congresso Nacional", defendem.
A Secretaria de Comunicação Social do governo federal também classificou a acusação como uma “campanha de desinformação” contra Adriano Machado. “As alegações contra Adriano Machado são totalmente descabidas. O profissional em questão é um repórter fotográfico e, como tal, foi ao local para cobrir um evento que transpassou a esfera nacional, e transformou-se em uma pauta internacionalmente acompanhada”, disse a Secretaria em nota publicada em 8 de maio deste ano.
“Vale destacar que o profissional da Reuters não foi o único fotojornalista a registrar as cenas que, aliás, foram transmitidas ao vivo por todas as redes sociais. Portanto, não procede a informação de que o fotógrafo seria um infiltrado e estivesse no Planalto antes dos ataques", pontua o órgão.
Edição: Vivian Virissimo