Há uma oportunidade de implementar rotina e vigilância genômica sustentável em larga escala
Cientistas de 54 nações se juntaram em um movimento que defende monitoramento global do DNA dos vírus que causam dengue, zika e chikungunya. A vigilância genômica mundial para arbovírus endêmicos foi proposta em uma carta assinada por 74 pesquisadores e pesquisadoras, publicada na revista científica internacional The Lancet Global Health.
A ideia é inspirada no trabalho realizado ao longo da pandemia de covid-19 para sequenciamento do coronavírus. A experiência foi essencial para medidas de controle, produção das vacinas e tratamentos.
“Após a implementação da vigilância genômica na maioria dos países do mundo para monitoramento de linhagens de SARS-CoV-2, agora, há uma oportunidade de implementar rotina e vigilância genômica sustentável em larga escala para arbovírus de alto impacto com carga substancial de doenças humanas”, aponta a carta.
Segundo o documento, metade da população de todo o planeta está sob risco. Entre 100 milhões e 400 milhões de pessoas são infectadas anualmente. Os casos fatais somam cerca de 20 mil por ano.
“Além do agravamento dos surtos em áreas tropicais, houve um aumento da doença em regiões subtropicais e temperadas, impulsionado pela expansão dos principais vetores de aedes aegypti e aedes albopictus para novas áreas, associada à urbanização, globalização, mobilidade humana e mudança climática”, alerta o texto.
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Mudanças climáticas
Gabriel Wallau, pesquisador do departamento de Entomologia da Fiocruz Pernambuco e principal autor do texto, explica que os registros de arboviroses em países da Europa e no extremo sul do continente americano estão crescendo. Historicamente, essas regiões não eram áreas de risco, e a combinação entre aumento da circulação dos vetores e população desprotegida é muito preocupante.
“Com as mudanças climáticas, nós temos regiões que não eram permissivas para o desenvolvimento dos vetores. Hoje em dia, elas têm temperaturas mais amenas, então, agora, os vetores conseguiram chegar nessas regiões. A chegada dos vírus da região tropical, onde já circulam há décadas, associada a uma população que não tem barreira imunológica é a combinação perfeita para grandes surtos”, pontua.
A produção e o compartilhamento dos dados genômicos são considerados essenciais para alertas precoces de surtos, para o entendimento do potencial epidêmico, para a detecção de linhagens mais agressivas ou resistentes e para a produção de vacinas e medicamentos.
Gabriel Wallau destaca que o monitoramento por meio do DNA permite que o trabalho realizado seja mais detalhado. Ele ressalta que o esforço global durante a pandemia de covid-19 demonstra a relevância da vigilância genômica.
“Conseguimos ver como essa análise mais refinada é importante quando comparamos ao monitoramento genômico que foi feito de forma muito bem sucedida durante a pandemia. O genoma do SARS-CoV-2 era sequenciado de ponta a ponta, e nós conseguíamos detectar o perfil mutacional completo de cada um dos vírus sequenciados”, explica.
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Plataforma de dados
O pesquisador aponta que uma ferramenta para compartilhamento dessas informações já foi implementada na Iniciativa Global de Dados da Cientifícos (Global Data Science Initiative -Gisaid), plataforma-referência que já reúne milhões de dados sobre diversas doenças.
“Nós adaptamos a plataforma para o contexto dos arbovírus. Fizemos a adaptação porque são vírus transmitidos, não por uma rota aérea ou de micro gotículas, mas sim uma rota através do mosquito vetor. Então precisamos incorporar outros tipos de informação, que não foram incorporadas para outros vírus. De fato, a plataforma Gisaid é facilmente adaptável, mas precisa dessa interação muito próxima com pesquisadores da área para entender exatamente o que precisa ser adaptado e quais são as informações mais relevantes a serem colocadas na plataforma”, detalha.
A carta em defesa da vigilância genômica mundial para os arbovírus ressalta que o banco de dados pode ser expandido também para os vírus que causam a febre do nilo ocidental, a febre e a encefalite japonesa.
Edição: Rodrigo Chagas