Está mais do que claro que é uma emergência a necessária criação de regras e normas que regulamentem a cannabis no Brasil. A verdade é que a cannabis no Brasil é para poucos. Nem tudo está disponível nas farmácias, com produtos basicamente limitados ao canabidiol, e o acesso geral segue caro e distante da realidade da maioria dos brasileiros.
A inércia do Poder Legislativo em levar adiante o debate da regulamentação da cannabis fez com que esse tema adentrasse ao conjunto de responsabilidades do Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apenas estão atraindo para si a responsabilidade, porque o Legislativo não tem demonstrado interesse em levar adiante esta pauta sob qualquer perspectiva.
No STF, percebe-se cada vez mais clara a possibilidade de formar maioria para o julgamento da descriminalização do porte pessoal de drogas. Já no STJ, a sessão de julgamento da terceira turma ocorrida na última semana deixou claro que não ficarão sem reação as investidas e tentativas que têm como perspectiva alterar a jurisprudência que admite a possibilidade do autocultivo.
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Ao mesmo tempo, figuras-chave do Legislativo nacional questionam a legitimidade das decisões em instâncias superiores do Judiciário, talvez como cortina de fumaça, por sua omissão na execução de ações concretas, que são demandas da sociedade brasileira.
O debate em distintas instâncias sociais está cada vez mais maduro sob diversas perspectivas, seja sobre os âmbitos terapêuticos, seja sobre a descriminalização do uso pessoal de cannabis, por respeito ao princípio da individualidade e em uma equivalência já aceita, numa sociedade que consome legalmente álcool ou tabaco. Uma regulamentação mais clara sobre o tema se aproxima da realidade do país.
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Por vezes é o direito que tensiona os avanços sociais, e em certas ocasiões, é a sociedade que obriga o direito a se adequar. Independente da conclusão destes julgamentos, uma coisa é definitiva: a sociedade brasileira finalmente começou a perceber que a guerra às drogas é uma política ineficaz, cujos erros se pagam com vidas, com a manutenção do racismo estrutural, desvio de finalidade dos impostos e do próprio erário público e que segue gerando prejuízos transversais.
Como mencionado pelo ministro Alexandre de Moraes, em seu voto no recente julgamento sobre a descriminalização: "não foram as autoridades públicas que venceram a guerra contra as drogas. Diariamente todos nós perdemos". A possibilidade de algumas vitórias relevantes se aproximam brevemente por meio de decisões judiciais que virão. A sociedade agradece.
*Murilo Meneguello Nicolau é advogado, especialista no setor da cannabis, formado em direito pela PUC/PR, mestrando em direito negocial com foco na regulamentação da cannabis pela UEL/PR.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires