O espaço de agricultura urbana não é um espaço só de plantar
Para Cristiane Maria da Silva, a horta "Margaridas" foi um refúgio para vencer a depressão e a dependência química. "A abstinência da droga vinha e eu não sentia mais tanto como quando eu ficava em casa. Eu ia para a horta e ficava conversando com as meninas e tal. E ali eu fui me esquecendo, sabe? Saindo. E já vai fazer três anos que eu parei de usar drogas", comemora.
A mudança na vida de Cristiane é também a mudança de outras pessoas e de um dos cenários da Região Metropolitana de Recife (PE). Na ocupação Aliança com Cristo, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), são as mulheres que vêm protagonizando a transformação por meio da agroecologia. Lá, as hortas urbanas chefiadas pelo coletivo feminino do movimento são um caminho possível para produzir comida saudável em antigas áreas de lixo e de aterro.
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"Eu tenho uma e a horta me ajudou muito, muito mesmo. E o MTST ajudou a comunidade a trazer alimentos para a gente, que é uma comunidade muito carente. E quando a gente mais precisou, a horta veio. E ali a gente tinha direito à cesta básica, à cesta orgânica. Ali a gente teve contato com a igualdade", acrescenta Cristiane, hoje, produtora agroecológica.
São em torno de 16 mulheres que, assim como ela, cuidam de um pequeno pedaço de terra no bairro do Jiquiá, Zona Oeste de Recife. As crianças também acompanham as mães da ocupação Aliança por Cristo. Elas brincam, e até buscam folhas para a cobertura dos canteiros.
"Eu hoje posso dizer que eu sou agricultora. Eu sou dona de casa, mãe, esposa, mas também sou agricultora. Eu gosto de plantar o meu coentro no meu quintal, de ter uma cebolinha. É muito bom mesmo. Eu queria que as pessoas soubessem a importância da alimentação saudável! E o que a gente planta, não tem agrotóxico. Aqui a gente bota água em chorume só. E ele [o coentro] cresce, a gente coloca na comida e fica muito mais gostoso. Então, espero que esse esses projeto não acabe nunca", ressalta.
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A horta comunitária da Ocupação Aliança com Cristo é mantida graças a uma parceria entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de Pernambuco e a ONG FASE. A iniciativa faz parte do Projeto Agricultura Urbana “Produzindo Comida de Verdade e Gerando Qualidade de Vida”, sendo realizada por três organizações: além da FASE, participam o Centro Sabiá de Agroecologia e a Casa da Mulher do Nordeste (CMN). A ideia partiu de uma emenda parlamentar do deputado federal Túlio Gadelha, da Rede Sustentabilidade (REDE).
"A horta - eu ouço isso também das mulheres - é um lugar de terapia. Até porque elas surgiram no período da pandemia. Foi um momento de muitas violências domésticas, que foram potencializadas pelo convívio diário, dos casais, das famílias... E pela fome, né? Pela ausência de amparo do Estado, na realidade. Então, nessa fase, junto com outras organizações, junto com MTST, também se tornaram movimentos. E veio com essa coisa da horta comunitária, para suprir não só de alimento, mas de prazer, de ludicidade, de conversa e de encontro”, relata Sarah Vidal, agrônoma e assessora técnica da ONG FASE.
A Ocupação Aliança com Cristo se formou em 2015 em uma área devoluta da União. Atualmente, mais de 300 famílias vivem no local, mesmo com a ameaça constante de remoção pelo avanço da especulação imobiliária Sarah explica que as hortas surgem, justamente, como mais uma ferramenta de luta para as famílias
"O desafio cotidiano das moradias, das ocupações, é vivido na horta, né? As carências se tornam motivos de lutas e de incidência política, porque a horta é um espaço para incidir politicamente na cidade, ocupando outros espaços devolutos, que não tem uso social. Se ocupa para produzir alimentos saudáveis. É uma questão de segurança alimentar das mulheres e de suas famílias nesses territórios", afirma.
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Além disso, o empoderamento político das mulheres a partir das hortas é outro ponto de destaque, na visão da coordenadora do setor de Agricultura Urbana do MTST-PE, Elisângela Jesus da Silva, a Janja.
"O espaço de agricultura urbana não é um espaço só de plantar. É um espaço para a gente debater e fortalecer as mulheres. E também de uma questão de apoio psicológico. Porque muita gente, nesse período da pandemia, sofreu de ansiedade, de depressão... E isso fez com que as mulheres saíssem de casa e começassem esse trabalho na horta. A gente fazia o trabalho na horta, organizava o terreno, limpava e plantava. Depois a gente fazia um lanche, né? Uma caldeirada, a gente fazia no fogo à lenha, comia todo mundo junto. E naquele momento, a gente trocava ideias, conversas, e compartilhava o sentimento de uma com a outra".
"Empoderamento feminino não é você ser feminista odiar homem, é você fazer com as suas mãos. É olhar e pensar: eu sei, eu posso, eu faço. E a gente aprendeu que, quando a gente planta a gente colhe. Eu entrei em depressão, usei muita droga, muita mesmo. E hoje eu olho e digo: 'meu Deus! A vida é tão boa, tão bonita. Por que eu estava a destruir a minha vida daquele jeito?'. A horta ensina, né? Ela ensina que você é especial. E a gente olha e vê que é verdade", complementa Cristiane.
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Edição: Daniel Lamir e Douglas Matos