ELEIÇÃO NO EQUADOR

Cansados de pobreza e violência, equatorianos elegem novo governo neste domingo

Pleito define governante para completar mandato interrompido; deve haver segundo turno

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Apesar de queda nas pesquisas na reta final, apoiadores de Luisa González confiam que poderão levar a esquerda de volta ao poder - MARCOS PIN / AFP

Os equatorianos vão às urnas neste domingo (20) para eleger quem vai presidir o país até 2025. Será um mandato curto, porque a eleição foi antecipada pelo atual presidente, Guillermo Lasso.

A decisão, decretada por meio do mecanismo jurídico chamado 'morte cruzada', que encurtou o próprio mandato de Lasso e dissolveu a Assembleia Nacional, revela instabilidade política, que, no entanto, é apenas uma das várias facetas da grave crise pela qual passa o país. As outras são empobrecimento da população, corrupção e violência do crime organizado, alimentada pelo narcotráfico.

Durante a campanha, a violência subiu a níveis inéditos: foram assassinados a tiros o prefeito de uma grande cidade, um candidato presidencial (de direita), um líder histórico do partido de esquerda Revolución Ciudadana, que até então liderava as pesquisas. Sem falar que uma candidata a deputada do mesmo partido sobreviveu a um ataque armado.

O candidato assassinado foi Fernando Villavicencio, um jornalista investigativo que se tornou candidato empunhando a bandeira do combate à corrupção. Ele foi morto em público, à luz do dia, poucos dias antes do último debate da campanha. É esse o clima de insegurança e instabilidade que envolve o pleito.

Além da violência desenfreada, os equatorianos enfrentam sérias dificuldades socioeconômicas. Segundo dados de 2022, 56% da população trabalha em empregos informais precários, o desemprego beira os 20% e a pobreza atinge 25% dos cidadãos.

Para lidar com esse cenário, a candidatura de esquerda, liderada por Luisa González, propõe construir um sistema econômico sustentável, inclusivo e igualitário, que propicie justiça econômica e igualdade de oportunidade. Ela aponta como culpada a agenda neoliberal dos governantes pós Rafael Correa (2007-2017), mas depois do debate mais recente, ela foi criticada por olhar mais para o passado do que para o futuro.

Já a direita propõe ideias mais liberais, nas quais o Estado tenha um papel menos proeminente. A proposta, particularmente do lado do opositor de extrema direita Jan Topic, é a fórmula do neoliberalismo: austeridade, desregulação da economia, fomentar investimentos e apostar na capacidade da iniciativa privada de gerar empregos.

Provável segundo turno

 

As pesquisas de intenção de voto não são confiáveis no Equador. Ainda assim, levantamentos não-oficiais indicam que os candidatos Luisa González/Andrés Arauz (Revolución Ciudadana) e Jan Topic/Diana Jácome (Por un País sin Miedo), lideram a preferência do eleitorado e, em tese, são os mais cotados para disputarem o segundo turno.

Mas num processo eleitoral tão tumultuado, não se podem descartar que outras candidaturas surpreendam, especialmente as das coligações Claro que se Puede (Yaku Pérez e Nory Pinela), Movimiento Actuemos (Otto Sonnenholzner e Erika Paredes), Movimiento Construye (Fernando Villavicencio e Andrea González) — o nome de Villavicencio estará nas cédulas, pois já haviam sido impressas quando ele foi assassinado.

Sonnenholzner seria, entre esses três últimos, o que teria mais chance de enfrentar González no segundo turno, se conseguir superar Topic. Todas as chapas são formadas por uma mulher e um homem, em respeito à lei que estabelece paridade de gênero.

A morte de Villavicencio pode ter prejudicado González, especialmente pelas acusações feitas sem evidências de que Rafael Correa, fiador da candidatura de González, estaria envolvido com o assassinato, uma hipótese que ganha eco num país onde a classe dominante e a grande imprensa nutrem antipatia por ele e seu projeto político popular. Em contrapartida, ganhou também alguma evidência nos últimos dias a ideia de que Topic poderia estar envolvido com o crime, pelo fato de Villavicencio ter denunciado irregularidades em contratos mantido por empresas desse candidato com o poder público.

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Na rota da coca

O Equador é, atualmente, um dos países mais pobres da América Latina e a insegurança alimentar, social e os baixos níveis de educação contribuíram para o aumento da criminalidade. Além disso, a corrupção do Estado, outra crise enfrentada há anos, também fomenta o crime organizado e institucionalizado. No entanto, nos últimos anos, o tráfico de drogas se destacou como a razão mais significativa da crise de segurança pública no território andino.

Leia mais aqui e entenda como a rota da coca se deslocou para o Equador.

“Estamos perante um novo fenômeno, com raízes nacionais e internacionais: a presença do crime organizado e das máfias criminosas”, disse o historiador Juan Paz y Miño Cepeda em entrevista ao coletivo de mídia independente ComunicaSul. Segundo ele, o encolhimento do Estado desmantelou das capacidades de segurança do poder público e também enfraqueceu os investimentos que teriam permitido o reforço das forças policiais e das políticas sociais. Hoje em dia, afirma Cepeda, existe uma força de poder “informal” ou “ilegal” que está se sobrepondo ao poder formal, o que leva a população a viver no medo e na impotência.

Referendos

Além de presidente e vice, os equatorianos vão eleger os 137 integrantes da Assembleia Nacional, além de votar em duas consultas populares sobre temas ecológicos: uma nacional, sobre explorar ou não o petróleo no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia; e outra local (Quito), sobre proibir ou não a mineração no bioma do Chocó Andino.

O Equador é um país pequeno, que não dispõe de muitas riquezas naturais que possam ser transformadas em receitas para investimentos sociais. Portanto, petróleo e minério representam fontes potenciais para ajudar a lidar com os problemas sociais e econômicos. Ao mesmo tempo, o apelo da preservação ambiental é significativo, principalmente entre os eleitores mais jovens. É um tema espinhoso, por exemplo, para a chapa González/Arauz, que defende a exploração soberana do petróleo em Yasuní para aumentar os investimentos públicos em saúde e educação.

Edição: Rodrigo Durão Coelho