A próxima cúpula do Brics que começa nesta terça-feira (22) na cidade sul-africana de Joanesburgo não desperta interesse apenas dos seus cinco membros originais, mas também de ao menos outros 40 países. Isso porque um dos temas centrais da reunião deve ser a possibilidade de ampliação do bloco, que hoje é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
São 22 os países que já apresentaram pedidos formais de ingresso e, segundo o representante do governo sul-africano no bloco, Anil Sooklal, outro número igual de nações manifestou interesse em entrar para os Brics. Mesmo sem haver um consenso entre os membros sobre de que maneira ou até mesmo se será possível executar a ampliação, a importância que o bloco adquiriu nos últimos anos dentro do atual contexto geopolítico explicaria a grande quantidade de interessados em ingressar.
Essa é a opinião do economista Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador afirma que o bloco já nasceu importante, por ser uma alternativa de organização com ênfase no Sul Global, mas sua relevância e poder de ação aumentaram ao longo dos anos, principalmente por conta do crescimento econômico da China.
"Além disso, o contexto geopolítico de guerra e tensões fortaleceu esse vínculo entre China e Rússia, o que aumentou o temor por parte do Ocidente e gerou uma percepção global diferente em relação ao Brics", explica o economista. Países como Irã, Arábia Saudita, Argentina, Bolívia, Indonésia, Egito, Cuba, Camarões, e Cazaquistão são alguns dos que pediram ingresso formal no bloco.
Conti afirma ainda que o retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a nomeação da ex-presidente Dilma Rousseff ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) também podem ter estimulado os pedidos de ingresso no bloco. "A volta do Lula à cena não é pouca coisa, pois Lula e Dilma tiveram uma importância grande na criação do bloco e depois na criação do Banco do Brics. Não é à toa que Dilma foi para Shanghai trabalhar no NDB, então esse retorno do Brasil é também um elemento de fortalecimento do Brics", afirma.
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A alteração do status que o bloco ocupa mundialmente pode ser notada, inclusive, na história de sua formação. Em 2001, o economista Jim O'Neill, então diretor do Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimentos do mundo, utilizou a sigla "BRIC" pela primeira vez para se referir ao que ele considerava que seriam os melhores países para investidores por apresentarem, à época, altas taxas de crescimento: Brasil, Rússia, Índia e China.
No entanto, o que começou como uma espécie de "jogada de marketing" do mercado financeiro internacional, serviu como catalisador para unir algumas das principais economias emergentes do Sul Global. Em 2009, os presidentes dos quatro países realizaram a primeira reunião de cúpula do grupo e no ano seguinte, em 2010, incorporaram a África do Sul, o que terminaria de criar a atual sigla Brics (a letra "S" corresponde a "South Africa", África do Sul, em inglês).
"A partir disso, claro, o objetivo deixou de ser a classificação de países que podem oferecer alta rentabilidade nos seus títulos", afirma Conti. "De certa forma, o grupo nasceu com ambição inicial de criar um contrapeso à hegemonia ocidental, dada a percepção desses países de que seu protagonismo crescente não estava sendo reconhecido por instituições como o FMI e o Banco Mundial", diz.
Cobrando mais igualdade na distribuição de poder e influência nesses organismos multilaterais ligados, principalmente, aos EUA, o Brics estabeleceu o consenso como requisito obrigatório para qualquer deliberação que parta do grupo. Para Anukrati Sharma, professora do Departamento de Comércio da Universidade de Kota, na Índia, o equilíbrio que existe entre os membros do bloco, diferentemente de outras instituições ocidentais, é mais um atrativo para outros países.
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"Por que todos os países em desenvolvimento estão tentando participar da expansão do Brics? A primeira e principal razão é porque o Brics é a única plataforma que trata e mantém cada um dos seus membros em uma posição igualitária e isso é muito necessário. No Brics, esses países poderiam definitivamente ter força para levantar suas vozes e expor os problemas que estão enfrentando", diz.
Os pesquisadores, no entanto, concordam que embora o Brics tenha nascido como uma espécie de grupo para buscar alternativas aos mecanismos financeiros ocidentais, hoje ele também é visto como um bloco geopolítico real para a organização do Sul Global, que poderia rivalizar com entidades como o G7, composto por EUA, Canadá, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Japão, e acelerar o processo que analistas chamam de multipolaridade.
Crescer mais do que eles?
Ainda que o contexto mundial tenha dado ao Brics uma relevância geopolítica maior do que o bloco possuía no seu surgimento, as principais e mais importantes conquistas do grupo ocorreram na área econômica.
Segundo dados do Banco Mundial, o PIB dos cinco membros do Brics somados representava apenas 8% do PIB mundial no ano de 2000. Já em 2022, a soma da atividade econômica do bloco representou 25,5% do índice global. O G7, por sua vez, viu sua participação em escala mundial diminuir nos últimos 22 anos. Em 2000, o grupo possuía 65,4% da economia global, mas no ano passado caiu para 42,8%.
Algumas projeções, inclusive, já falam em uma possível ultrapassagem do Brics. Cálculos feitos pela agência Bloomberg, especializada no mercado financeiro, com base em dados do FMI estimam que final de 2028 o Brics já alcançaria 33,6% do PIB mundial, enquanto o peso do G7 cairia para 27,8%. A estimativa usa o critério da Paridade do Poder de Compra, método alternativo à conversão das moedas nacionais em dólares para se comparar atividades econômicas, que leva em conta o custo de vida local de cada país.
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"Essa importância econômica foi puxada, basicamente, pelo crescimento da China nos últimos anos", explica Aníbal Fernández, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (Celag). Ao Brasil de Fato, ele afirma que apesar das transformações que o Brics sofreu ao longo da sua existência, a cooperação econômica e financeira segue sendo o principal objetivo do bloco, algo que ficou ainda mais evidente e factível com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), chamado muitas vezes de "Banco do Brics".
"É um movimento histórico, pois o banco representa, não só em termos econômicos, mas também geopolíticos, uma alternativa à arquitetura financeira construída depois da 2ª Guerra Mundial no chamado Acordo de Bretton Woods, que definiu o FMI e o Banco Mundial como as principais entidades financeiras do mundo e que tiveram consequências anos depois, no caso da América Latina, por exemplo, com o aumento da dívida externa", diz.
Fundado em 2014 com um aporte de US$ 50 bilhões (cerca de R$ 250 bi) iniciais distribuído de maneira equitativa entre os cinco membros originais, hoje o banco já conta com a participação de Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Egito e Uruguai, que também estão na fila para postularem sua entrada no Brics, já que o ingresso no NDB não significa se tornar membro do bloco.
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Fernández afirma que as linhas de crédito do banco, destinadas fundamentalmente a apoiar projetos de infraestrutura e principalmente os que visam a transição ecológica, não exigem os ajustes fiscais e as medidas de austeridade que são impostas pelo FMI, o que explicaria o interesse de muitos países em fazer parte do NDB.
"Há vários casos como, por exemplo, a Argentina, que pediu o ingresso formal no Brics e no Banco e as intenções desse país estão totalmente ligadas à dívida com o FMI. Entrar no Brics e no NDB seria a possibilidade de obter outra fonte de financiamento e tentar resolver essa enorme dívida que o país herdou do governo do ex-presidente Mauricio Macri", afirma.
O pesquisador ainda comenta o caso da Venezuela, que também é um dos países que solicitou a entrada no bloco. "Nesse caso, as sanções impostas pelos Estados Unidos explicariam o motivo de Caracas, porque essas medidas tiveram impactos sociais muito fortes no país", dz.
"Digamos que cada país tem diversos motivos em função de seus próprios interesses, mas eu acho que em termos gerais, falando de todos os países que querem ingressar, a principal razão é porque o mundo vive um aumento da dívida. Isso se agravou um pouco antes da pandemia, mas com a pandemia piorou muito", afirma Fernández.
Ampliar ou não: eis o conflito
Apesar das altas expectativas em relação às discussões durante a cúpula que começa nesta terça-feira, a ideia de ampliação não é um fato consumado, já que a definição de critérios para novos participantes e a própria ideia de expansão são pontos de divergências entre os atuais membros.
Segundo analistas, China e Rússia são os que mais apoiam atualmente uma ampliação para aumentar sua esfera de influência em outras regiões do mundo e melhorar suas condições de disputa com o Ocidente. Os mais reticentes seriam Índia e Brasil. Na última semana, o chanceler indiano, Subrahmanyam Jaishankar, afirmou que o país, a princípio, não seria contra a expansão, mas que defenderia a adoção de alguns critérios para a entrada de novos membros.
Para o economista Bruno de Conti, as novas regras que definirão o status dos países que querem ingressar no bloco deverão ser objeto de polêmica entre os membros e podem criar obstáculos para a elaboração de um projeto de ampliação.
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"Por um lado, expandir seria seguir um curso natural, já que o Brics foi criado para ser uma alternativa para todo o Sul Global, não só aos cinco membros originais. No entanto, os atuais membros são potências regionais e isso lhes confere algum grau de autonomia, por isso que a incorporação de novos países, que podem ser encarados como satélites de outras nações, seja de dentro ou de fora do bloco, pode causar assimetrias dentro do grupo", explica.
O professor alerta para hipóteses como, por exemplo, a entrada da Argentina, que hoje é governada pelo progressista Alberto Fernández, mas vê o crescimento do ultraliberal de extrema direita Javier Milei, que é simpático a um alinhamento automático do país aos EUA. "A ampliação traz esses problemas, porque há países que vivem determinada situação hoje, mas que amanhã podem mudar e se tornar a expressão dos interesses dos Estados Unidos dentro do Brics, o que seria uma completa contradição", afirma.
A posição brasileira também está indefinida. O chanceler Mauro Vieira, que participou do encontro de ministros das Relações Exteriores do Brics na Cidade do Cabo, na África do Sul, em junho, afirmou na ocasião que "o grande sucesso do Brics" pode ter atraído interessados, mas que os membros ainda estavam “trabalhando na questão”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, já declarou publicamente que é favorável à entrada de países como a Argentina e a Venezuela.
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Conti acredita que a cúpula desta terça-feira não deve anunciar incorporações de novos membros e nem um plano massivo de entrada de outros países, mas sim iniciar o debate sobre a criação de critérios para o projeto de ampliação.
"O economista e ex-vice-presidente do Banco do Brics Paulo Nogueira Batista Jr. tem uma proposta interessante de ampliação que seria a criação de uma espécie de 'segundo anel' de influência. Assim, o centro continuaria a ser formado pelos membros originais e os países que forem sendo incorporados participariam dos encontros e de outras iniciativas, mas o poder decisório estaria mantido entre os cinco membros", afirma.
A 15ª reunião de cúpula do Brics vai ocorrer entre os dias 22, 23 e 24 e será a primeira vez que os presidentes dos países vão se encontrar presencialmente desde 2019. A única ausência deve ser a do mandatário russo, Vladimir Putin, pois ele foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra envolvendo a atuação de Moscou na guerra na Ucrânia. Como a África do Sul é signatária do TPI, em tese Putin poderia ser preso ao desembarcar no país.
Edição: Rodrigo Durão Coelho