As pesquisas pareciam apontar que a disputa presidencial no Equador acabaria tendo um forte embate ideológico entre a candidata de esquerda Luisa González, herdeira política do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), e algum candidato de direita, desses que se posicionam enfaticamente como adversários do chamado correísmo e defendem políticas de tolerância zero no combate à violência, para citar apenas uma das diferenças programáticas.
Porém, quem correu pelas beiradas nas eleições do último domingo (20) e vai enfrentá-la no segundo turno é Daniel Noboa, que se distanciou dessa polarização e também da ideia de integrar uma aliança contra o correísmo.
Com 94,4% das urnas apuradas, González (Revolução Cidadã, RC) contava com 33,38% dos votos válidos (3.152.225) e Noboa (Ação Democrática Nacional, ADN), 23,61% (2.229.252). Em terceiro, Fernando Villavicencio (Movimento Constroi), com 16,49% (1.557.325), o símbolo maior da violência que marcou o processo eleitoral, já que ele foi assassinado durante a campanha — foi substituído por outro candidato, mas seu nome foi mantido porque as cédulas já estavam prontas. O segundo turno será no dia 15 de outubro.
“Ficou claro que o Equador não quer uma saída tipo Bukele”, avaliou a cientista política equatoriana Maria Villarreal ao Brasil de Fato, referindo-se ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, conhecido pela linha dura contra a violência — o candidato que mais se assemelhou a ele no Equador, Jan Topic, teve apenas 14,68% dos votos. Segundo ela, a população anseia por um “grande acordo de reconstrução nacional”.
Franklin Ramírez, professor de Sociologia Política na Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO Equador), tem um ponto de vista diferente. Embora o adversário de González não seja um candidato anticorreísta, ele enfatiza que a aliança de Villavicencio, que representa fortemente o sentimento contra o legado do ex-presidente, foi a segunda força política mais votada para o Legislativo (leia no final o resultado da eleição para a Assembleia Nacional).
“Creio que essa despolarização é relativa. Não significa que a dicotomia desapareceu como separação social e política. Acho até que ganhou mais visibilidade. E esses setores podem inclusive exigir que Noboa reforce o anticorreísmo. E ele, para ganhar, não vai poder se esquivar disso.”, afirmou o cientista político ao Brasil de Fato.
Villareal, que é professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), acha que González é a candidata com maior possibilidade de vencer a eleição, desde que o partido seja inteligente e saiba fazer alianças, conversar com várias tendências.
Já Ramirez vê Noboa como favorito pela “fragilidade” da esquerda e do campo popular nas eleições, ou seja, pelo fato de não ter havido nenhuma outra candidatura de esquerda, o que “reduz a margem para coalizões e alianças sobre as quais o correísmo pode operar”.
“Os outros candidatos são todos de direita e vão apoiar qualquer um contra o correísmo”. Além disso, diz ele, Noboa é uma “figura nova”, sem tantos lados por onde poderia ser atacado.
Villarreal discorda, argumentando que o raciocínio não seria tão aritmético assim. “O Equador é complexo. Dá pra pensar em alianças improváveis. Tirando os votos do correísmo, os outros não necessariamente respondem a uma lógica partidária. São votos dados mais pela personalidade do candidato do que pelo partido, pelo conteúdo programático, então ela pode obter votos de eleitores de vários outros candidatos”.
Ela enfatiza que a aliança de González é como um “arco-íris”. “Não tem só esquerda lá dentro”. Além disso, segundo ela, eles têm experiência na administração pública, são excelentes quadros, fizeram do Equador o segundo país mais seguro da América Latina, atrás apenas do Chile — hoje, é um dos mais violentos, com índices de assassinatos superiores aos de México e Colômbia.
Ramírez acha que Rafael Correa desenhou para Luisa González uma campanha muito centrada no correísmo, na nostalgia de sua militância, numa perspectiva de recuperar os votos daqueles que algum dia já o apoiaram e, assim, atingir 40% dos votos válidos, o que poderia ser suficiente para ganhar no primeiro turno se a vantagem sobre o segundo colocado superasse os 10%.
“Ele pensou em ganhar por nocaute no primeiro turno, basicamente recuperando o que o correísmo já teve. Não conectou com jovens, com demandas emergentes da ecologia”.
Villarreal acha que ainda é possível recuperar o território perdido nesse campo tão importante para o eleitorado jovem, que é a preservação ambiental, ainda mais depois do resultado das consultas populares sobre esse tema que foram realizadas também no domingo.
Para isso, diz ela, é preciso dar mais ouvidos às pessoas da pauta ambientalista dentro da RC. Assim como reatar laços com movimentos feministas, criando assim um contrapondo ao fato de González ser assumidamente conservadora em questões desse âmbito, sendo, por exemplo, contrária ao aborto. “Se a RC fizer isso, não tenho dúvida de que vai ganhar. Mas se entrar em lógica de confrontação, pode perder essa chance”.
O professor da Flacso também acha que a RC precisa evitar a confrontação. Em lugar disso, uma boa alternativa seria tentar firmar uma diferença programática para dizer que Noboa é uma espécie de continuidade de Lasso. E, paralelamente, “sair da aba do Correa”, conectar-se com as demandas da sociedade, buscar novos respaldos junto à Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), ao sindicalismo. Aproximar-se do movimento sindical seria uma boa forma de se contrapor a Noboa, que é oriundo de uma “famíla bananeira por excelência”, comprometido com o modelo neoliberal e adversário dos interesses dos trabalhadores, na visão de Ramírez.
Noboa promete um “novo projeto” para o país, tentando capitalizar entre a parcela do eleitorado que não se identifica nem com o correísmo nem com o ultraliberalismo que o sucedeu nos últimos seis anos, nos quais o Equador se tornou um país violento. Sem falar no aumento da pobreza e outros fatores. Diferentemente dos candidatos que promoveram um confronto duro com o correísmo, Noboa apresentou propostas, teve tom conciliador no debate e assim cresceu entre jovens e indecisos, na avaliação de Villarreal.
Quem são os candidatos
Daniel Noboa é filho de dois políticos conhecidos no Equador: Alvaro Noboa, um dos homens mais ricos do país e candidato presidencial em cinco ocasiões, e Anabella Azín, médica, deputada e legisladora da última constituinte, em 2007. Aos 35 anos, é empresário e novato na política. Foi eleito pela primeira vez em 2021, para o cargo de deputado. Defende uma plataforma liberal.
Luisa González, que é a única candidata mulher e aspira ser a primeira mulher eleita presidente do Equador, se identifica com o chamado socialismo do século 21. Tem 45 anos. Advogada e mestre em Economia, já ocupou uma série de cargos públicos. Também foi eleita representante na Assembleia Nacional (nome da Câmara dos Deputados no Equador), pelo movimento UNES, que reunia movimentos e organizações relacionadas com o correísmo.
Vitória da democracia
Independentemente de qual seja o resultado, Maria Villarreal acha que o primeiro turno em si já representou uma expressiva “vitória da democracia”, pelo fato de o processo ter transcorrido em normalidade, com alta participação do eleitorado (81%) e de todos os candidatos terem reconhecido o resultado. “Parece algo menor, mas nesse cenário, é um aspecto importante”.
Assembleia Nacional
O resultado da eleição legislativa, até a tarde de segunda-feira era o seguinte: Revolução Cidadã em primeiro, com 39,37%, seguida pelo Movimiento Construye, de Villavicencio (20,65%), Ação Democrática Nacional, de Noboa (14,6%) e Partido Social Cristão, de Topic (11,8%). As outras coligações obtiveram votações bem menos significativas.
Edição: Rodrigo Durão Coelho