O termo "sportswashing" é um nome novo pra uma prática antiga: limpar sua reputação por meio do esporte. No entanto, ao acompanhar o noticiário, vê-se esse termo muito aplicado a países não ocidentais, e nunca aos demais.
O Catar, em 2022, e a Arábia Saudita, em 2023, são os maiores exemplos disso. Entre as maiores críticas aos dois países, está o desrespeito aos direitos humanos.
É estranho pensar, contudo, que essa pauta não vem à tona quando Austrália e Nova Zelândia decidem sediar a Copa. Em artigo para o site 360Info, Simon Chadwick, professor britânico especializado em geopolítica do esporte, lista alguns dos problemas da Austrália.
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Um deles é o tratamento dado aos migrantes no país, que o Alto Comissariado da ONU para Refugiados chamou de "desumano" em abril. Há uma década, a Austrália envia refugiados para centros de detenção em países vizinhos mais pobres, como Papua-Nova Guiné e Nauru, onde há relatos de más condições de cuidado à saúde e higiene. Críticos dizem que se trata de uma violação das leis internacionais pela Austrália.
Os povos indígenas australianos, comumente nomeados aborígenes, já foram chamados de "o povo mais encarcerado do planeta". Apesar de compor apenas 2% da população total do país, em 2022, eles representavam mais de 29% dos prisioneiros da Austrália.
Há também violência policial. Em 1991, o governo australiano decidiu investigar por que tantos aborígenes morriam sob custódia policial. Um relatório com várias recomendações para melhores práticas foi lançado. Trinta anos depois, há mais de 470 novas mortes registradas e nenhum policial foi condenado por elas.
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A Austrália é o único país da Commonwealth britânica cuja constituição não reconhece os povos indígenas, embora haja um referendo esse ano que pretende mudar isso.
Apesar disso, a única polêmica sobre sportswashing envolvendo a Copa da Austrália foi por causa da Arábia Saudita, quando a Fifa resolveu adotar o patrocínio da estatal saudita de turismo pro evento. A pressão fez com que o negócio se desfizesse.
Aliás, enquanto os sauditas estavam sendo acusados pela comunidade internacional de crimes de guerra no Iêmen, a Austrália faturou bilhões vendendo armas a eles e aos Emirados Árabes Unidos. Em 2019, relatório da ONU indicou que o país poderia ser cúmplice desses crimes.
Em eu artigo, Chadwick diz que esses temas praticamente não vieram à tona durante o Mundial, embora a seleção australiana masculina tenha se manifestado contra a realização da Copa no Catar. Para ele, o termo sportswashing foi apropriado pelo Norte global contra o Sul.
"Quando viajo o mundo, as pessoas não querem falar comigo sobre as colônias britânicas, sobre perseguição, exploração e apropriação. Elas querem falar sobre seu time preferido na Premier League", disse Chadwick, numa entrevista recente ao jornal indiano Hindustan Times.
O professor reconhece que as práticas de sportswashing existem, mas diz que a visão sobre elas tem um viés, que alguns de nós chamaríamos de orientalista.
Apesar dos problemas que os aborígenes enfrentam na Austrália e também na Nova Zelândia, suas bandeiras foram exibidas de forma inclusiva nos jogos da Copa.
Edição: Thalita Pires