O Programa Cisternas, que já ajudou mais de 1 milhão de famílias a ter acesso a água, foi um dos mais atingidos pelas políticas neoliberais de Jair Bolsonaro (PL). Agora a iniciativa está de volta. Já está em andamento o processo para construção de 47.550 unidades na retomada do programa.
Para se ter uma ideia do que significa este número, basta ver o total de cisternas construídas entre 2020 e 2022, os três últimos anos do governo de Bolsonaro: 18.561 no total. Em 2019, primeiro ano do governo anterior, foram pouco mais de 32 mil. Número pequeno se comparado, por exemplo, às 116 mil construídas em 2015, último ano antes do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT).
Gerenciada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), a iniciativa teve seu primeiro edital lançado neste início de novo governo no último mês de julho. As quase 50 mil cisternas serão construídas na região do Semiárido Brasileiro, nos nove estados nordestinos e em Minas Gerais.
Os dez lotes (um por estado) foram arrematados pela Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC), organização ligada à Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). O coordenador da Associação, Rafael Neves, contou ao Brasil de Fato que a entidade já está em tratativas administrativas com os representantes do Governo para assinatura do contrato.
O passo seguinte à assinatura é a abertura de chamadas públicas para busca de organizações que vão executar o trabalho em cada localidade. Serão formadas comissões municipais com pelo menos três organizações da sociedade civil em cada município. Após a seleção das comunidades onde serão instaladas as estruturas, e das famílias contempladas, têm início as construções propriamente ditas.
"Em um cenário com tudo dando certo, em novembro começa o processo de implementação das tecnologias em si. Começando em novembro, a ideia é que, no mais tardar, em novembro, dezembro de 2024 estejam todas as 47.550 famílias com cisterna em casa", estima.
Em abril de 2022, o Brasil de Fato mostrou de perto todo o processo de seleção, desde a formação das comissões municipais, passando pelo mapeamento dos locais de maior necessidade e das famílias em condição de extrema pobreza, contando com dados do Cadastro Único do Governo Federal (Cadúnico). Clique aqui, leia mais e assista a reportagem em vídeo.
As famílias selecionadas recebem orientação sobre a gestão e processos de retirada da água, manutenção e limpeza das estruturas e o cultivo de produtos nativos da região. A construção das cisternas acontece com um esforço coletivo que começa já na etapa de escavação dos buracos necessários para a construção.
A reportagem também mostrou as consequências da falta de investimento por parte do governo Bolsonaro no programa. O desmonte fez ressurgir o cenário de escassez de décadas atrás para famílias que não tiveram acesso às cisternas.
"O esvaziamento dessas políticas sociais retomou um caminho de abandono das famílias do Semiárido Brasileiro, em especial do semiárido rural. Maior êxodo rural, mais fome, enfraquecimento do trabalho formal, enfraquecimento das pessoas com trabalho, enfraquecimento da produção alimentar", destaca Rafael Neves.
Neste primeiro edital, com investimento previsto de R$ 400 milhões, serão construídos 3.940 equipamentos de acesso à água para produção de alimentos, além das já citadas 47.550 cisternas de consumo, cada uma com capacidade para 16 mil litros de água. Esse volume é suficiente para uma família de cinco pessoas beber e cozinhar durante o período de estiagem de até oito meses.
"A partir do momento em que a pessoa tem água de qualidade, ela pode processar os produtos na comunidade ou no seu território e pode entrar em ações de inclusão produtiva de longo prazo", aponta Lilian Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS.
Apesar do avanço representado pela retomada do Programa Cisternas, as famílias do Semiárido dependem de investimentos para contornar a falta de água na região, especialmente diante do cenário de mudanças climáticas. Além disso, é preciso garantir o fortalecimento do campo para produção de alimentos. Tudo isso passa pela recuperação das matas.
"A gente só vai conseguir guardar mais água no subsolo se nós conseguirmos recuperar a caatinga, que foi destruída durante séculos de exploração do território. Essas são frentes fundamentais para a gente realmente ter um modelo de desenvolvimento sustentável que pode ser fundamental para alimentar não só a região, mas alimentar o país e servir como modelo para as outras regiões semiáridas do mundo", conclui Neves.
Edição: Vivian Virissimo