Espera-se que se aumente muito a compreensão e a possibilidade do desenvolvimento de medicamentos
Embora seja o país com a maior biodiversidade do mundo e tenha em seu território cerca 20% das espécies do planeta, o Brasil ainda investe pouco na aplicação desse patrimônio nas ciências da saúde. Para tentar mudar esse cenário, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) propôs ao Ministério da Saúde (MS) uma revisão da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF).
Representantes da sociedade civil, do poder público e da ciência se reuniram em torno do assunto por três dias no mês de maio. O evento, organizado pelas RedesFito e pelo Centro de Inovação em Biodiversidade e Saúde / Farmanguinhos, debateu temas como inovação da biodiversidade, conhecimentos tradicionais e científicos na inovação em fitoterápicos, transversalidade e financiamento.
Do encontro saiu o documento intitulado Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos Revisitada, que levou em consideração o caminho percorrido pela PNPMF até aqui, avanços, retrocessos e novas perspectivas e traz 18 proposições.
Entre os aspectos listados está, por exemplo, a necessidade de criação de mecanismos para contemplar as farmácias vivas nas diretrizes e ações da Política. Também está presente a sugestão de um processo nacional de reflexão sobre como os conhecimentos tradicionais se relacionam à fitoterapia.
A participação social aparece como prioridade. As proposições apontam para o fortalecimento da presença da sociedade civil no Comitê Nacional, com destaque para comunidades indígenas, quilombolas, representantes de terreiros, da agricultura familiar tradicional, raizeiras e similares.
:: De remédios a cosméticos: conheça os fitoterápicos da reforma agrária ::
As proposições trazem ainda a demanda de organização das informações de base científica, genética e molecular em todo o Brasil e de fortalecimento de ações em parceria com associações industriais dos setores químico, farmacêutico, fitoterápico e de suplementos alimentares.
De acordo com Glauco Villas Boas, coordenador do Centro de inovação em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos/Fiocruz, a revisão foi fundamental para retomada de um processo de definição de prioridades e perspectivas, assim como para avaliação de obstáculos e gargalos.
“É uma revisão feita com a presença da maioria dos ministérios que participaram da elaboração da política, de movimentos sociais, de representantes da academia e de representantes do setor industrial. Foi realizada em formato de webinário com a participação efetiva de diversas pessoas, com diversas perspectivas, que culminaram elencando alguns pontos importantes para retomada dessa política.”
Segundo Villas Boas, o Ministério da Saúde considerou as contribuições importantes para a retomada da PNPMF e já determinou o retorno do programa e dos trabalhos do comitê da política.
A política
Definida em 2006, a PNPMF tem por objetivo garantir o acesso seguro e o uso racional e sustentável desses recursos, além do desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional. Retomar esse debate é essencial também para assegurar a soberania brasileira sobre o patrimônio genético encontrado em território nacional.
O documento entregue pela Fiocruz ao Ministério da Saúde ressalta que o novo momento político vivido pelo Brasil favorece essa retomada. “O panorama atual indica um retorno à configuração própria das democracias contemporâneas, que pressupõe a capacidade do Estado em planejar e realizar a gestão, técnica ou política, a coexistência e independência de poderes e vigência de direitos da cidadania”, diz o texto.
:: Plano ambicioso de produzir 70% dos insumos do SUS deve impulsionar economia brasileira ::
Glauco Villas Boas afirma que a revisão de pontos e mecanismos tem como objetivo estabelecer novas formas do desenvolvimento de tecnologias, fortalecimento das cadeias, arranjos produtivos e uso sustentável da biodiversidade brasileira.
“Com a incorporação de algumas das sugestões na prática da política, evidentemente que se espera que aumente muito a compreensão e a possibilidade do desenvolvimento de medicamentos, a partir do conhecimento tradicional e a partir de diversas outras informações. Então seria, para dar um exemplo, sair da ordem das dezenas para ir para a ordem de centenas de novos medicamentos a partir desses procedimentos", ressalta.
O desenvolvimento desse campo para a fabricação de medicamentos movimenta bilhões de dólares a cada ano. Há duas décadas, quase metade dos medicamentos produzidos no mundo já vinham de fontes naturais. 25% deles tinha origem nas plantas, realidade que só cresceu desde o início do século.
Os dados estão compilados em artigo publicado em 2003, no periódico Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), assinado pelo biólogo brasileiro João Batista Calixto.
De acordo com o texto, “a terapêutica moderna, composta por medicamentos com ações específicas sobre receptores, enzimas e canais iônicos, não teria sido possível sem a contribuição dos produtos naturais, notadamente das plantas superiores, das toxinas animais e dos microrganismos”.
Edição: Rodrigo Chagas