A Assembleia Nacional (AN) da Venezuela anunciou na tarde da quinta-feira (24) a nova direção do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país. Os perfis dos cinco novos diretores escolhidos mantêm o equilíbrio que existia na direção anterior entre governo e oposição, já que três deles seriam mais próximos ao chavismo e os outros dois teriam proximidade com partidos opositores. Apesar de a maioria ser governista, a composição é considerada por analistas como equilibrada, já que foi fruto de negociações entre as forças políticas.
A nomeação da nova junta era esperada desde junho, quando o ex-presidente da instituição Pedro Calzadilla renunciou ao cargo e motivou a saída dos outros quatro diretores. O movimento obrigou o Legislativo venezuelano a iniciar um processo de seleção que envolveu 153 candidatos indicados pelo meio jurídico e pela sociedade civil.
A renúncia dos cinco ex-diretores do órgão e o rápido início do processo de reformas no CNE pegaram de surpresa o mundo político venezuelano. Alguns setores da oposição chegaram a acusar o governo de querer interferir no processo eleitoral e outros atores políticos levantaram a possibilidade de que as mudanças fossem parte de um acordo que envolveria também os EUA.
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Após a sessão legislativa desta quinta-feira, o presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez, confirmou que a nova direção foi fruto de um diálogo "entre todos os que consideram a via eleitoral" como única opção política e que "todos tivemos que ceder um pouco" na composição do órgão. Questionado sobre a participação dos EUA nas negociações, o deputado não negou nem confirmou e se limitou a pedir o fim das sanções.
Fontes ligadas ao processo ouvidas pelo Brasil de Fato indicaram que a escolha dos novos diretores do CNE teve a aprovação de Washington, em troca do relaxamento de algumas sanções ligadas ao setor energético. "As licenças são uma troca. CNE com dois partidos de oposição e liberação de algumas sanções", disse uma das fontes consultadas pela reportagem.
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Reformas no órgão eleitoral venezuelano vinham sendo exigidas pelos EUA nos últimos meses em espaços de debate dos quais Washington participou. Durante a Cúpula de Bogotá, convocada em abril pelo presidente colombiano, Gustavo Petro, a delegação do presidente Joe Biden citou diretamente a necessidade de reformar o CNE para realizar alívios pontuais.
Ainda de acordo com as fontes, a nova direção do CNE deve anunciar em breve a data das próximas eleições presidenciais, previstas para ocorrer em 2024. "Se o governo se empenhar, as eleições não devem passar de março [do ano que vem], já que ele precisa aproveitar as licenças concedidas pelos EUA", afirmou uma das fontes.
Peso e contrapeso: o novo CNE
Entre os nomes escolhidos para a nova direção do órgão está o atual controlador-geral da República, Elvis Amoroso, que já foi deputado pelo partido governista PSUV e vice-presidente da Assembleia Nacional Constituinte eleita em 2017. Segundo as fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, Amoroso representaria um setor mais ideológico ligado ao governo e seria o mais cotado para ser o próximo presidente do CNE.
Sua atuação à frente da Controladoria-Geral poderia gerar ruídos entre a nova direção, segundo as fontes, já que foi durante sua administração que opositores como Henrique Capriles e Maria Corina Machado foram proibidos de ocupar cargos públicos por 15 anos. No entanto, a presença de nomes considerados mais técnicos diminuiria os conflitos.
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Entre estes perfis está o engenheiro Carlos Quintero, funcionário do CNE há quase 20 anos. Apesar de ser considerado próximo ao chavismo, Quintero já participou de ao menos 19 processos eleitorais ocupando diversos cargos na instituição, como diretor de registro eleitoral, diretor de informática e membro da Junta Nacional Eleitoral, além de ser suplente de diretores em três gestões diferentes.
Os dois nomes ligados a partidos opositores também são considerados quadros técnicos. Juan Carlos Delpino volta ao CNE após ser diretor de Participação Política em 2011, diretor pleno no mesmo ano e diretor suplente em 2020. Em 2010, Delpino chegou a trabalhar como coordenador eleitoral para o partido opositor Acción Democratica (AD) e teria ligações com a legenda desde então.
Já a advogada Aimé Nogal foi militante do partido Un Nuevo Tiempo (UNT) e até alguns meses atrás fazia parte da comissão que organiza as primárias da oposição. Especialista em Direito Civil, é a primeira vez que Nogal assume funções no CNE. Sua presença, segundo fontes próximas ao processo, amplia a influência do partido UNT que aposta em Manuel Rosales para concorrer à Presidência.
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Atual governador do estado de Zulia, Rosales desponta como opção concreta para representar uma candidatura unificada que a oposição busca alcançar, já que ele não está proibido pela Justiça. No entanto, o opositor não está inscrito nas primárias e analistas consideram a possibilidade de que ele se candidate mesmo sem o respaldo da votação interna, tendo em vista as divergências políticas entre ele e a ultraliberal Maria Corina Machado, que aparece como favorita na maioria das pesquisas.
Após o anúncio da nova direção do CNE, Rosales reconheceu o equilíbrio presente no órgão e lembrou das eleições legislativas de 2015, nas quais a oposição conquistou maioria no Parlamento. "Nossa convocatória é redobrar o trabalho unitário que nos deu vitórias como a de 2015; naquele momento, havia um CNE similar ao que foi designado hoje na AN e ganhamos as parlamentares com maioria", disse.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, também comentou a nomeação dos novos diretores do órgão e disse que o Legislativo alcançou "um grande consenso para escolher o novo Poder Eleitoral". "[A nova direção] está composta por homens e mulheres de bem, profissionais, equilibrados e a eles corresponde organizar os processos eleitorais dos próximos sete anos", disse.
Outra diretora nomeada nesta quinta-feira pela AN que seria próxima ao governo é a atual deputada do PSUV Rosalba Gil Pacheco, que vem da carreira diplomática e já foi cônsul-geral da Venezuela em Boston, nos EUA.
A presença de diretores ligados aos partido UNT e AD no órgão eleitoral é vista com otimismo por setores da coalizão opositora chamada Aliança Democrática, que rivaliza com o setor com os opositores que participam das primárias, a Plataforma Unitária.
Segundo fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, o envolvimento das legendas UNT e AD significaria uma espécie de "pacto de convivência" entre elas, o governo e a Aliança Democrática, o que implicaria no isolamento das outras frações mais extremistas da oposição representadas por Maria Corina.
Edição: Rodrigo Durão Coelho