A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investiga os atos criminosos de 8 de janeiro, recebe, nesta semana, os depoimentos do ex-comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Fábio Augusto Vieira, e do ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, conhecido como GDias.
Ambos estavam em seus cargos durante os atos que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília, no início do ano. Vieira foi exonerado do comando da PMDF um dia após as manifestações golpistas
Em seu lugar, o então interventor federal da segurança pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli, nomeou Klepter Rosa. Capelli afirmou que a manifestação golpista só foi possível devido a uma "operação de sabotagem" nas forças de segurança locais.
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O ministro da Justiça, Flávio Dino, também atribuiu ao governo do DF a responsabilidade pelos atos criminosos. De acordo com chefe da pasta, houve uma mudança de planejamento na estratégia de segurança que não foi informada. Em reunião entre as forças federais e distritais, teria sido acertado que o acesso à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes estaria bloqueado, o que não ocorreu no domingo.
"Infelizmente, houve uma avaliação das autoridades locais de que seria possível, na última hora, mudar o planejamento. Esse planejamento foi modificado e isso ensejou que essas pessoas descessem até próximo do Congresso Nacional e, em seguida, o descontrole que vocês viram", afirmou Dino.
Um dia após ser exonerado, em 10 de janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou a prisão preventiva de Vieira por omissão na contenção dos atos. Cerca de um mês depois, em 3 de fevereiro, o ex-comandante foi solto também por decisão de Moraes.
O ministro entendeu que o relatório apresentado pela defesa de Vieira indicou que o ex-comandante não teve participação na omissão dos atos. “Embora exercesse, à época, o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, não teria sido diretamente responsável pela falha das ações de segurança que resultaram nos atos criminosos ora investigados, além de apontar que o investigado esteve presente na operação, foi ferido no combate direto aos manifestantes e não teve as suas solicitações de reforços atendidas”, afirmou o ministro na decisão.
“O panorama processual que justificou a prisão preventiva do investigado não mais subsiste no atual momento, sendo possível conceder-lhe a liberdade provisória, pois o essencial em relação às liberdades individuais, em especial a liberdade de ir e vir, não é somente sua proclamação formal nos textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de maneira prática e eficiente, a partir de uma justa e razoável compatibilização com os demais direitos fundamentais da sociedade, de maneira a permitir a efetividade da Justiça Penal”, diz Moraes na decisão.
Além de Fábio Augusto Vieira, o ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, também foi exonerado ainda no dia dos atos golpistas. A secretaria na qual ocupava um cargo é responsável pelas forças de segurança pública como a PMDF.
Gonçalves Dias
Já o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, pediu demissão do cargo em 19 de abril, horas após a divulgação de um vídeo pela CNN Brasil que indicou a sua presença no Palácio do Planalto em 8 de janeiro, momentos após o quebra-quebra promovido por bolsonaristas.
No vídeo, é possível ver o ex-ministro circulando entre os golpistas. As imagens mostram também funcionários do GSI interagindo com alguns deles. Em entrevista à TV Globo à tarde, Dias afirmou que entrou no Palácio do Planalto após a invasão para retirar os criminosos do terceiro e quarto andares.
Gonçalves Dias também passou a ser alvo da CPMI após se tornar público seu pedido para que fosse retirado os registros de que recebeu alertas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre os atos do primeiro relatório de inteligência enviado ao Congresso Nacional.
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Em depoimento à CPMI em 1º de agosto, o ex-diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, confirmou o envio de alertas sobre a gravidade dos atos golpistas do 8 de janeiro às autoridades responsáveis pela segurança acerca das manifestações bolsonaristas.
Cunha destacou que os alertas foram enviados aos órgãos por meio do grupo de WhatsApp, mas ressaltou que não há como confirmar se as informações chegaram de fato ao conhecimento de todos. “As 48 agências têm o compromisso de estar a par. Não tenho como dizer se o Ministério da Justiça leu os alertas ou não. Nós não temos o controle dessa cadeia.”
Estavam no grupo representantes de 48 órgãos, como da assessoria de inteligência do Ministério da Defesa, dos centros de inteligência das três Forças Armadas, da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Jader Silva Santos, que na época era subchefe da Coordenadoria de Avaliação de Riscos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também estava no grupo. Gonçalves Dias, então ministro do GSI, não estava presente.
Cunha também confirmou que o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, pediu que fosse retirado os registros de que recebeu os alertas da Abin do primeiro relatório de inteligência enviado ao Congresso Nacional. GDias, como também é conhecido, teria alegado que não faz parte do grupo de WhatsApp para onde foram enviados alertas. Somente Jader Silva Santos estava no espaço enquanto representante do GSI. O ex-diretor da agência também rebateu os congressistas que disseram se tratar de uma ilegalidade. “A ordem não é ilegal porque é o ministro que determina quais informações serão encaminhadas”, disse.
No total, a Abin enviou dois relatórios ao Congresso Nacional sobre os alertas emitidos. No primeiro, enviado em 20 de janeiro, Gonçalves Dias aparece nos registros de receptores dos alertas. Já no segundo, encaminhado em 8 de maio, seu nome foi suprimido.
Durante CPI do 8 de Janeiro do Distrito Federal, em 22 de junho, GDias afirmou que não fraudou os documentos. “A Abin respondeu à solicitação do Congresso com um compilado de mensagens de aplicativo, em que tinha dia e tempo, na coluna do meio o acontecido e na última coluna a difusão. Esse documento tinha lá ‘ministro do GSI’. Não participei de nenhum grupo de WhatsApp, eu não sou o difusor daquele compilado de mensagens. Então aquele documento não condizia com a realidade. Esse era um documento. Ele foi acertado e enviado.”
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O ex-ministro também afirmou que não falou anteriormente com Saulo Moura da Cunha sobre “nenhum esquema especial para o dia 8 de janeiro, domingo, porque não havia nenhuma informação que nos indicasse que ocorreria o que ocorreu”.
No dia dos atos golpistas, no entanto, Moura da Cunha afirmou durante à CPMI que trocou mensagens com Gonçalves Dias sobre a gravidade da manifestação. “No momento em que a marcha saiu, recebo uma ligação de um colega responsável pela segurança de um dos prédios dos Três Poderes muito preocupado. Nesse momento, divido com ele as nossas preocupações e ligo para o GDias. Falei para ele que eu e o responsável pela segurança tínhamos a impressão, e até uma certa convicção, de que as sedes dos poderes seriam invadidas ou pelo menos haveria uma ação violenta. Isso por volta de 13h30 da tarde, e ele [Gonçalves Dias] diz que achava que teríamos problemas.”
Edição: Vivian Virissimo