O Dia da Visibilidade Lésbica é celebrado em 29 de agosto. A data foi criada em 1996 – ano do 1º Seminário Nacional de Lésbicas (Senale) – e tem por objetivo discutir políticas públicas contra a lesbofobia e garantir direitos a essas mulheres. Mas, além data, a luta é diária para as mulheres lésbicas, cuja orientação sexual é frequentemente contestada, fetichizada e objetificada.
Um ponto importante dentro da discussão acerca da visibilidade lésbica está no fato de haver uma série de questões específicas que se intercalam ao debate da própria comunidade LGBTQIA+. Por isso é importante compreender e considerar as especificidades das pautas das mulheres lésbicas que são entrecruzadas pela questão de gênero, sexualidade e raça.
O dia da visibilidade é uma oportunidade de espaço às mulheres lésbicas que estão na política, nos esportes, nas artes e em outros espaços para falar das suas vivências e desafios. Para falar da representatividade lésbica nas artes, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Rebeca Gondim, idealizadora do projeto Emvisibilidade, que desenvolve pesquisa sobre gênero, raça e sexualidade na dança, tendo como enfoque o corpo lésbico. Rebeca é passista de frevo, artista da dança, pesquisadora e professora.
:: Como foi o evento que deu origem ao Dia Nacional da Visibilidade Lésbica ::
BdF PE: Estamos no mês da visibilidade lésbica e você está desenvolvendo um projeto chamado Emvisibilidade. Conta pra gente sobre ele.
Rebeca Gondim: Eu tenho uma pesquisa em dança muito ligada ao frevo que é dentro das temáticas de gênero, sexualidade e raça na dança do frevo. Gênero é uma pegada que eu tava buscando desde o início tratar do corpo da mulher, dos estereótipos colocados para a mulher dentro do frevo. Eram questões que me pegavam desde a infância, como um corpo dissidente que é como me vejo hoje, que foge dos padrões normativos esperados do que é ser mulher e dentro da dança especificamente.
A sexualidade exatamente era uma coisa que eu vinha tentando, que já tava ali no corpo dançante, né? Porque não tem como fugir de mim. Eu sou a mulher sapatona, então tá ali. Mas eu queria buscar mais, me entender melhor, poder, inclusive, falar isso abertamente, publicamente, de uma coisa que que tava ali, mas que precisava talvez entrar na roda... E casou que hoje eu tenho uma companheira, Maria Agrelli, que também é dançarina. Aí era um desejo dela também de cruzar esses conhecimentos de vida mesmo.
E aí a gente, numa conversa, a gente fez: 'Poxa, vamos tentar falar sobre isso assim, né?'. Porque existiram vários episódios da gente ficar no meio da rua e se sentir constrangida por vários motivos, de não conseguir expressar nossa sexualidade, nosso amor publicamente, e a gente notou que, em casa, em ambientes seguros, as coisas eram diferentes. Mas, na rua, a coisa mudava, e a gente ficava com medo. Então a gente precisa falar isso com dança, sabe? A gente precisa dançar.
Publicamente, a gente não pode expressar esse amor em praça pública. Então a gente é hipersexualizada e a gente não pode pegar na mão muitas vezes em determinados ambientes porque a gente fica com medo de ser violentada, sabe? Então o Emvisibilidade surgiu desse atravessamento da nossa vida e dessa vontade de falar sobre esses espaços.
Rebeca, como foi que a dança começou a fazer parte da tua vida?
A dança veio de uma maneira até engraçada, eu sempre fui uma pessoa muito agitada. Com 8 anos de idade eu tava no dentista com minha mãe e tinha uma mulher vendo minha movimentação no consultório, e aí essa mulher olhou para mim, para minha mãe e fez 'ó, eu acho que a dança vai fazer muito bem para ela, tá tendo aulas de frevo no mercado Eufrásio Barbosa em Olinda' Aí, minha mãe que já recebeu muita reclamação na escola de movimentação [risos], ela prontamente me levou, viu que poderia ser isso. Então meu primeiro contato com a dança começou com o frevo.
O frevo, ao invés dele me tranquilizar ele também me agita muito, as ideias, o corpo, porque o frevo é o frevo né? é esse fogo. Mas foi esse primeiro contato assim com o frevo e tô até hoje assim. Comecei com 8 anos, então é meio que meu letramento de vida, é muito a partir dos conhecimentos que eu aprendi na roda de frevo, com as pessoas que produzem frevo, passistas de frevo, professores.
No teu fazer artístico você mistura várias linguagens né? música, poesia, audiovisual…como é o teu processo de construção dos espetáculos, das performances?
Varia muito...Eu faço parte de alguns coletivos aqui da cidade do Recife, tem o A Coletiva que é uma coletiva de mulheres artistas e que a gente produz performances, ações no meio urbano e a gente trata sobre gênero em multi linguagens. A gente trabalha muito com vídeo, mas agora a gente vai lançar um espetáculo de dança acessível uma performance acessível.
A gente tá meio que fabulando fazer um trabalho de videodança. A videodança está muito atravessada nas minhas pesquisas como um todo, tanto na Coletiva, como nessa pesquisa agora no Emvisibilidade, e como também no Coletivo Encruzilhada que eu também faço parte, que é um outro coletivo que trata mais sobre periferia e territórios de uma maneira geral, mas como somos periféricos a gente trata muito desse lugar, do corpo desse lugar, e como a gente constrói imagens e danças a partir desse contexto específico.
No início deste ano, você lançou a obra audiovisual ‘Revinda’, que mistura várias linguagens e traz referências de outros trabalhos desenvolvidos. Fala mais da importância desse projeto.
‘Revinda’ surgiu com 'Terezinha', que era uma performance criada em 2018 na universidade. Ele fala sobre uma mãe, que é Teresa Maria de Jesus, que perde seu filho Eduardo com 10 anos no Rio de Janeiro, na frente de casa, pela polícia. Esse fato na época mexeu muito comigo.
Em Terezinha, o central da conversa é o genocídio da população negra, os territórios e a minha vivência na periferia. Eu pego o fato de Terezinha, mas eu já vi coisas acontecendo mais próximo a mim, na rua da minha casa. O Revinda era continuidade disso, o alargamento dessa performance.
Ele fala muito desse lugar também do genocídio, mas também tenta discutir sobre o luto, mas também da festa, da importância da nossa organização, da nossa existência... Na pandemia a gente viu o quanto foi importante os agrupamentos, os coletivos a nossa solidariedade pra gente poder viver e sobreviver e tá muito ligado a essa coisa né? Dança, música, audiovisual, porque eu acho que as nossas culturas, as culturas negras elas estão muito nesse lugar, e as danças de roda também nesse sentido. Então Revinda também quis fortalecer essa ideia dessa coletividade de linguagens que se cruzam.
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Por fim, como você acha que é possível visibilizar mais mulheres lésbicas na arte e na dança?
Eu acho que o diálogo. Porque a gente tá sempre nesse lugar de quais os espaços são seguros inclusive para a gente expor nossas ideias e movimentar nossos corpos enquanto mulheres lésbicas. Mas o diálogo é muito importante. Eu acho que as coisas mudaram muito, mas eu acho que ainda falta muita coisa. A gente que tem a vivência sabe que apesar da gente estar na Globo, apesar de estarem produzindo videoclipes com beijos, com relações muito mais visíveis, existe muito fetiche, muita hipersexualização...Tem algo no olhar, no estado de corpo que as pessoas querem saber ou mesmo constranger.
Então acho que é a luta mesmo... Continuando a luta de muitas que vieram antes abrir um caminho e a gente tá conseguindo aparecer nas coisas. Isso é um ganho, uma vitória mas que a gente sabe que precisa mesmo de mais. A gente precisa tá viva na real, precisa de política pública, de saúde. Eu acho que é isso, é a luta mesmo, expressando na arte, podendo produzir um trabalho, conversar sobre isso com as pessoas para que outras pessoas expressarem também seu amor.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga