Reação

'É cansativo': nova parada do julgamento do marco temporal no STF frustra indígenas em Brasília

Cerca de 600 pessoas acompanhavam sessão do lado de fora da Corte; julgamento retorna na quinta (31)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Parte dos indígenas fez caminhada pela Esplanada dos Ministérios nesta quarta (30), em Brasília, para bradar contra marco temporal - Antônio Cruz/Agência Brasil

O adiamento da conclusão do julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi recebido com lamento por indígenas que acompanhavam a transmissão da sessão do lado de fora do prédio, nesta quarta-feira (30). O caso chegou à Corte em janeiro de 2017 e já teve a análise adiada diversas vezes nos últimos anos. Desta vez, mais de 600 lideranças de diferentes comunidades do país vieram acompanhar a manifestação dos ministros sobre o tema diretamente de Brasília (DF).  

A sessão foi interrompida pela presidenta do STF, Rosa Weber, logo após a revelação do voto de André Mendonça, que votou a favor da tese do marco temporal. Esse é o segundo posicionamento nesse sentido; o primeiro foi manifestado por Nunes Marques. Até o momento, o placar em torno do tema está em dois votos a dois. O relator, Edson Fachin, e Alexandre de Moraes se colocaram contra a ideia de que as comunidades tradicionais só têm direito a terras que já estivessem ocupando ou disputando desde antes da Constituição Federal de 1988. Outros sete magistrados ainda devem revelar o voto na próxima sessão, prevista para quinta-feira (31).

O indígena Kopenoti, do Conselho Terena do Mato Grosso do Sul, viajou durante 25 horas de ônibus na companhia de um grupo de 30 pessoas para acompanhar o julgamento na capital federal. "Nós viajamos muito tempo para depois chegar aqui e [isso] ser adiado. Não é fácil, não. Aguardamos que seja recomeçado amanhã", disse ao Brasil de Fato.

Já Marciane Tapeba veio do Ceará para participar do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena em Brasília e interrompeu a agenda para se somar à concentração na porta do STF. Ela conta que esta não é a sua primeira atividade de acompanhamento do caso do marco temporal.

"Já é a terceira ou quarta vez que a gente vem aqui pra acompanhar o julgamento e não consegue avançar. É cansativo, mas a luta continua e a gente precisa resistir. Lá no Ceará, os indígenas estão mobilizados na Praça do Ferreira, na Praça da Imprensa, estão na articulação fazendo marchas e a gente está aqui na força, na resistência, esperando que a encantaria possa trabalhar e a gente possa chegar ao fim de forma positiva, mas este processo é bem cansativo."

Desabafo semelhante fez a indígena Neusa Kunha Taqua, do Território Rio Pequeno, em Parati (RJ). Ela conta que a comunidade local teve a área reconhecida em 2017, mas o terreno ainda não foi finalmente demarcado. Composto por várias fases técnicas e administrativas, o processo é longo e costuma demorar anos para ser concluído. Como o julgamento do caso do marco temporal tem repercussão geral, ou seja, vai fixar um entendimento a ser aplicado para todas as áreas tradicionais, Neusa teme um eventual retrocesso na discussão sobre os direitos originários dos povos indígenas aos seus territórios. "Estamos aguardando a portaria declaratória. Nosso maior medo é que venha a ser aprovada essa tese, pois prejudicaria todos os processos demarcatórios. Seria extinguir os povos indígenas", afirmou.

Relevância

Integrante da coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna afirma que "muita coisa está em jogo" no julgamento, que é o mais esperado pelas comunidades tradicionais em todo o país. "Está em jogo principalmente a vida de vários povos que ainda estão com seus territórios por demarcar. A retomada do julgamento é, pra gente, algo crucial. É fundamental essa força da luta do movimento, que chegou junto aqui no STF. Temos uma expectativa muito grande em relação a esse julgamento. Esperamos que não haja mais nenhum pedido de vista, o que seria muito frustrante pra gente e muito ruim também pra imagem do Supremo. Temos esperança nos nossos direitos originários ao território."

Gustavo Peixoto, da entidade Indigenistas Associados (INA), esteve entre os parceiros que comparecem à porta do STF para se solidarizar com as lideranças populares nesta quarta. Servidor público da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ele assinala que o reconhecimento por parte do STF do direito originário das comunidades tradicionais ao território ajudaria o Brasil a consolidar a perspectiva já lançada pela Constituição Federal de 1988.

"A Constituição já fala que a gente é um Estado pluriétnico nacional de direito, então, ela reconhece que o Estado não se rompe por ter muitas etnias, muitas nações dentro deles. O que falta ao Brasil é aplicar a Constituição, é reconhecer que o Estado é pluriétnico. É com isso que a gente vai ser capaz de reconhecer os indígenas com toda a sua diversidade. A gente tem que reconhecer a existência desse Estado plural e espalhar isso em todas as políticas públicas dirigidas aos indígenas", afirma o especialista, acrescentando que as demarcações fazem parte desse processo.

Edição: Thalita Pires