Um momento histórico. O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (30) o julgamento processo que trata da constitucionalidade do marco temporal, tese jurídica que firma que os povos indígenas só teriam direito a reivindicar terras ocupadas em 1988, quando foi promulgada a Constituição.
Tendo sido adjetivado como "julgamento do século" para os indígenas, o caso volta à pauta três meses após pedido de vista apresentado pelo ministro André Mendonça. Apesar da expectativa para a conclusão da votação nesta quarta-feira, outro pedido de vista, que poderia adiar a decisão por mais tempo, não é descartado. Há expectativa, porém, para que a ministra Rosa Weber, que se aposenta em outubro, deposite seu voto.
Até o presente momento, o placar é de 2 a 1 contra o marco temporal (ou seja, a favor do pleito dos povos originários). O relator do processo, ministro Edson Fachin, votou contra, e foi seguido por Alexandre de Moraes. Já o ministro Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro para a Corte, votou a favor da tese defendida por ruralistas.
O voto de Moraes, porém, é visto com preocupação, porque ele propôs o pagamento de indenizações a pessoas que adquiriram "de boa fé" títulos de propriedade emitidos pelo Estado. O voto passou a ser chamado de "tese do meio termo", e pode levar a novas batalhas jurídicas e a mais demora por demarcações de terras.
"Os povos indígenas vão ficar à mercê de uma indenização a ser paga ao fazendeiro para ter o seu território. Sabemos que temos um problema orçamentário. E essa 'tese do meio termo' desconsidera o direito originário dos povos indígenas, desconsidera toda lesão que os povos indígenas sofreram, e vai premiar invasores de terras, pessoas que adquiriram ou não de boa-fé esse essa área", avalia o advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá.
As mobilizações contrárias à aprovação do marco temporal, que se espalharam por todo o país nos últimos anos, serão intensificadas nesta quarta-feira decisiva. Já pela manhã, indígenas de diversas partes do país iniciaram uma concentração em Brasília. Pelas redes sociais, apoiadores da causa têm compartilhado as hashtags #MarcoTemporalNão, #VidasIndígenasImportam, #EmergenciaIndígena e #DireitoOriginário para chamar atenção para o caso.
"Nós confiamos, sim, que o Judiciário brasileiro, e que um dia o Congresso Nacional, possa reconhecer os nossos direitos. A gente resistiu por 523 anos e a gente vai resistir a mais 523 anos. Nossa história vai passar de geração em geração, somos um povo de muita resistência", afirma o vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Alcebias Constantino Sapará.
Entenda o julgamento
A tese do marco temporal é analisada pelo STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia o caso dos indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina. Entre outros pontos, os ruralistas argumentam que o marco seria uma forma de regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal. O trecho da Carta Magna aponta que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
"Esse argumento vem associado a uma possível garantia maior de segurança jurídica [para proprietários de terra] na demarcação de terras indígenas. No nosso ponto de vista, a segurança jurídica também precisa ser interpretada junto com os direitos originários às terras indígenas", contrapõe o assessor jurídico Pedro Martins, da organização Terra de Direitos, que acompanha o andamento do processo no STF.
Edição: Rodrigo Durão Coelho