O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresenta nesta quinta-feira (31) seu Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2024 sob um dilema. Afinal, como fazer para cumprir os compromissos assumidos para aprovação do novo arcabouço fiscal e ao mesmo tempo garantir espaço para "o pobre no Orçamento"?
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou na terça-feira (29) que a proposta orçamentária do governo já está fechada, tendo sido inclusive ratificada pelo próprio presidente Lula. Afirmou também que o texto que será encaminhado ao Congresso parte de uma premissa simples: "as receitas são iguais às despesas".
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Isso significa que o projeto trará como meta fiscal o chamado déficit zero, algo que o próprio ministro já havia prometido publicamente no final de março, quando ele mesmo anunciou as diretrizes da proposta do novo arcabouço fiscal, sancionado nesta quinta (31).
A oficialização desta meta na PLDO, no entanto, levanta agora preocupações inclusive de aliados ao governo. Primeiro, porque se ela não for cumprida, o governo será punido pelas regras do novo arcabouço fiscal e terá de cortar despesas em 2025. Segundo – e mais importante, segundo economistas –, porque pode faltar dinheiro para projetos tidos como estratégicos para o país e que poderiam estimular o crescimento.
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"Precisamos de recursos para manter os investimentos", afirmou a deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores, em entrevista ao jornal Valor Econômico. "Não há necessidade de fazermos isso [buscar o déficit zero] em um quadro que precisamos estimular o crescimento econômico."
Arrecadação
Na entrevista, Gleisi defendeu uma meta de superávit menos rígida até porque os esforços que o governo tem feito para aumentar a arrecadação com impostos para equilibrar as contas públicas têm parado no Congresso.
Desde janeiro, o governo já tentou mudar os julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e taxar rendimentos de brasileiros com empresas offshore, geralmente abertas em paraísos fiscais. Isso, porém, enfrentou resistência no Congresso e ainda não entrou em vigor, contrariando o desejo do Executivo.
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"Nós estamos vendo que toda agenda que chega acaba desidratada pela Câmara", comentou Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Nesta semana, o governo anunciou uma proposta para taxar fundos exclusivos usados por super-ricos para aplicar seus recursos. Haddad antecipou também que a PLDO será acompanhada de outras medidas visando à recuperação da capacidade de arrecadação do governo, a qual ele diz ter sido dilapidada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
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Ainda assim, há desconfianças sobre a possibilidade de essas propostas avançarem. Isso leva a desconfianças sobre a possibilidade do governo cumprir sua meta de déficit zero.
"Pelo menos tem uma margem de 0,25 ponto percentual do PIB para o governo trabalhar dentro disso. Isso dá uma certa folguinha", afirmou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembrando que o arcabouço fiscal estabelece certa tolerância para o cumprimento de metas fiscais.
Gastos
Weiss acredita que a meta de déficit zero não inviabiliza completamente os projetos e investimentos do governo graças à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, no final do ano passado. A PEC abriu um espaço extra no Orçamento de 2023 de R$ 145 bilhões. O Orçamento de 2024 parte dessa base e, portanto, já com espaço garantido para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 por mês, por exemplo.
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Mesmo assim, segundo o próprio Haddad, é preciso arrecadar mais para garantir o pagamento do piso nacional da enfermagem e o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O Tesouro Nacional já estimou que, para equilibrar as contas públicas já no ano que vem, seriam necessários R$ 162,4 bilhões.
Faria, por sua vez, é menos otimista com a capacidade do governo em seguir investindo e arcando com despesas considerando os compromissos que ele mesmo propôs no arcabouço e com suas metas fiscais.
"O arcabouço já projeta um um ritmo mais lento de crescimento da despesa comparado com o de outros governos do Lula, o que é normal dada coordenação de forças [que envolveu a eleição do presidente]. Agora, a meta de superávit foi muito agressiva", disse Faria, que defende a convivência com o déficit em tempos de crise.
Regra apertada
Caso o governo não alcance o resultado primário prometido ou dentro desse limite de tolerância, o arcabouço estabelece que as despesas federais só poderão crescer à metade do crescimento da arrecadação. Se isso não for cumprido novamente no ano seguinte, o limite de crescimento cai para 30% do crescimento da arrecadação.
Sem as punições, as despesas do governo federal podem crescer anualmente 70% do crescimento das receitas.
*Matéria atualizada às 10h para informar que o arcabouço fiscal foi sancionado e, portanto, virou lei.
Edição: Thalita Pires