Centrão pode até espernear, mas cedo ou tarde cairá para dentro do governo
Olá!
Lula fez milagres ao recolocar o Brasil no cenário internacional. Mas, dentro de casa, o centrão e os militares tornam tudo mais difícil.
.Um leão por dia. O Ministério da Fazenda brasileiro já foi definido como “o pior emprego do mundo”. Faz sentido. Fernando Haddad fez muito nestes primeiros meses. Substituir o teto de gastos e viabilizar a reforma tributária é mais do que limpar a herança dos últimos seis anos, pois também projeta um futuro menos asfixiante e cria as bases para uma reindustrialização. E o resultado já é colhido, com uma queda na taxa de desemprego. Mesmo assim, não há descanso. O novo arcabouço foi aprovado, mas agora falta a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Plano Plurianual. A primeira parte da reforma tributária passou, mas a segunda emperra no direito sagrado dos ricos de não pagarem impostos. E a pauta econômica é a refém favorita de Arthur Lira para chantagear o governo e garantir o apetite do centrão, segurando quando necessário, esvaziando as votações quando discorda. Já sabendo o que lhes esperava, Lula e Haddad acertaram na estratégia: incluíram a taxação dos super-ricos junto com a medida provisória de correção da alíquota do Imposto de Renda e de reajuste do salário mínimo, ao mesmo tempo em que anunciavam a intenção (para o mercado financeiro) de garantir o déficit zero em 2024. Se por um lado, Lira vai escolher o relator e definir o ritmo do processo, por outro, na prática, o Planalto avisou para a população mais pobre e para os devotos das contas fiscais e da austeridade que, sem a taxação dos milionários, não tem ganho social e nem redução do déficit, deixando Lira com o constrangimento de ser a ameaça à “responsabilidade fiscal”.
.A lebre e a tartaruga. Lula tem pressa para avançar nas reformas econômicas e sociais, como recolocar em pauta o combate à fome, mas não para entregar cargos ao centrão. E o motivo é simples: o presidente já entendeu que o tempo está do seu lado, fazendo a negociação ganhar ares de novela. Afinal, enquanto o bolsonarismo estiver afundando e não houver uma oposição organizada, o centrão pode até espernear, mas cedo ou tarde cairá para dentro do governo. Ele negocia sabendo que quanto mais cedo ceder, mais cedo virão novas exigências. Isso sem contar que estamos a um ano das eleições, e que uma minirreforma eleitoral começa a ser discutida no Congresso. Ou seja, mais do que por cargos, a disputa é principalmente pelo controle da agenda e do timing do processo político. É claro que o impasse dificulta o avanço das reformas no Congresso. Mas, convenhamos, cedendo cargos, seria diferente? Considerando o peso da base evangélica em partidos como o Republicanos, que apesar de menos bolsonarista, segue sendo conservadora, dificilmente haveria um amplo apoio programático ao governo. A falta de pressa em entregar cargos para o PP e o Republicanos também se explica pelo fato de que esse tipo de aliança não garante 100% dos votos da base partidária. Foi essa a lição tirada do acordo com o União Brasil no início do mandato, que mostrou que nem sempre os caciques de um partido jogam do mesmo lado. Por isso, Lula repete a estratégia utilizada na batalha contra os juros, fazendo pressão moral e pública para constranger os deputados e senadores a aprovarem as medidas de combate à desigualdade. A política externa também tem seu lugar nessa estratégia, entregando vitórias ao governo sem as amarras internas. Mas, é claro que uma boa distribuição de emendas e talvez a ampliação do número de ministérios para acomodar todo mundo pode ajudar.
.Palmas pra eles. Para quem aguentou quatro anos de barbárie, inelegibilidade é pouco. A torcida quer mesmo é ver Bolsonaro condenado e preso. O capitão dificilmente conseguirá passar ileso no caso das jóias depois de um novo depoimento de Mauro Cid e seu pai à PF, especialmente depois da troca de advogados do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, sugerindo que uma delação premiada estaria a caminho. Outra personagem que tentou ganhar protagonismo nos últimos tempos e pode cair do cavalo é Ricardo Salles, que virou réu pelo envolvimento num esquema de exportação ilegal de madeira. Pior do que Salles, só Carla Zambelli, e a presença desses dois agora se tornou um fardo a ser carregado pela bancada do PL na Câmara. Mas se contrabando de madeira e tentativa de invasão de urnas impressionam, o destaque da semana vai para o general três estrelas Carlos Alberto Mansur, preso pela PF por utilizar o cargo de secretário de Segurança Pública do Amazonas para extorquir garimpeiros. Com mais esse escândalo a situação dos militares ficou crítica. Afinal, além de já terem perdido a aura de guardiões da moralidade pública, agora perdem também a imagem de intocáveis. Isso, e mais a convocação de três generais para depor na CPMI, dentre eles o mais bolsonarista de todos, o general Heleno, levou o comandante do Exército, Tomás Ribeiro Paiva, a correr atrás dos membros da Comissão para estancar a sangria. O acordo proposto por Paiva é o de blindar as corporações militares e individualizar as responsabilidades. A vantagem dos militares é que o governo está pagando para não se incomodar. Entre os extremos de aproveitar a conjuntura para cortar as asinhas do partido fardado ou fingir que nada aconteceu, a proposta de restringir a participação dos militares da ativa em cargos políticos encaminhada ao Congresso é um sopro de moderação.
.Ponto Final: nossas recomendações.
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*Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas