FISCALIZAÇÃO

Paraíba adota consulta prévia para instalar usinas de energias renováveis

Medida recomendada pelo MPF, MPPB, DPU e DPE à Sudema visa a reduzir danos às comunidades tradicionais

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Empreendimento de energia renovável em territórios quilombolas, indígenas ou de comunidades tradicionais na PB só poderá ser licenciado após Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) - Imagem Reprodução

A partir de agora, toda concessão de licença para instalação de empreendimentos de energia renovável em territórios quilombolas, indígenas ou de comunidades tradicionais no estado da Paraíba será antecedido de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), sempre que o empreendimento demandar Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) ou Relatório Ambiental Simplificado (RAS). A determinação vale desde 21 de agosto, após rodadas de discussão em torno de recomendação nesse sentido feita à Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) pelo Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público da Paraíba (MP/PB) e Defensoria Pública Estadual (DPE-PB).

A medida tem o objetivo de proteger comunidades quilombolas, povos indígenas, comunidades tradicionais e evitar que o estado da Paraíba atue em desacordo com o artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Essa convenção estabelece que os governos devem consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas que tenham o potencial de afetá-los diretamente. A Convenção 169 foi promulgada no Brasil pelo Decreto 5.041, de 19 de abril de 2004 e posteriormente consolidada pelo Decreto 10.088, de 5 de novembro de 2019.

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A Sudema acatou parcialmente recomendação expedida em maio e, diante disso, o Conselho de Proteção do Meio Ambiente (Copam), instância que aprecia as concessões de licença concedidas pela autarquia estadual para instalação dos empreendimentos, se comprometeu a aplicar de imediato as medidas aprovadas com ressalvas.

Uma das ressalvas é que, em vez de suspender a concessão da licença de instalação e operação nos casos em que a concessão estiver prevista para ser apreciada nas próximas quatro reuniões do Copam, até 17 de outubro, será permitida a concessão da licença, sob a condição de que seja realizada a Consulta Livre, Prévia e Informada à comunidade.

No entanto, caso na consulta livre a comunidade consultada opte pela não aprovação ou pela modificação do projeto, a licença será suspensa ou cancelada imediatamente, até que as modificações deliberadas na consulta sejam implementadas.

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Duas consultas

A Sudema também se comprometeu – ao receber pedido de licença prévia para um projeto de energia renovável (como energia eólica, fotovoltaica e linhas de transmissão) que exija EIA/Rima ou RAS – a verificar se o projeto afeta alguma comunidade quilombola, indígena ou tradicional.

Se for constatado que o projeto impacta alguma comunidade, a autarquia ambiental comunicará o fato aos órgãos competentes, para que seja realizada a consulta livre à comunidade em até 60 dias. O objetivo dessa comunicação é também possibilitar que haja apoio à comunidade para a realização dos contratos de cessão territorial ao empreendimento interessado.

Após a elaboração do EIA/Rima, a ser apresentado na abertura do processo de Licença de Instalação, a Sudema exigirá a apresentação de nova consulta livre, considerando os aspectos apresentados no EIA/Rima. Nesse estágio, a comunidade terá a oportunidade de se manifestar sobre todos os aspectos do projeto.

Consulta prévia para renovação de licença

Nos casos em que a licença para instalação já foi concedida, o órgão ambiental se comprometeu a exigir a realização da consulta antes da concessão da licença para operação. A Sudema também vai exigir consulta prévia na primeira renovação da licença de operação ou quando provocada de maneira fundamentada pelos órgãos que emitiram as recomendações ou pela comunidade impactada. Isso também será acompanhado de uma avaliação presencial para verificar o cumprimento das medidas compensatórias e das condições estipuladas na licença solicitada.

Sobre a possibilidade de ocorrer possíveis objeções por parte dos empreendedores em relação à realização da consulta livre, prévia e informada, o diretor-superintendente do órgão ambiental do estado, Marcelo Cavalcante, acredita que não vai haver resistência das empresas, tendo em vista que se trata de uma questão legal. “A OIT 169 é uma recomendação legal e será exigida e eu acredito que não vai haver nenhum tipo de resistência das empresas. Caso ocorra, ela será tratada devidamente, conforme o caso requer”, afirmou o superintendente.

Perguntado sobre os principais desafios para implementar a recomendação, Cavalcante respondeu que a Sudema está muito tranquila, uma vez que essa tarefa será executada por entidades independentes da própria Sudema. “Vai ser pelo Incra para as comunidades quilombolas e tradicionais e pela Funai, para os povos indígenas. Então, nós não entendemos que tenha algum tipo de dificuldade e vamos seguir a recomendação conforme foi acertado na última reunião do dia 21”, declarou.

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Protocolo de consulta

A Sudema também acatou os critérios de validade da consulta prévia, que deverá obedecer ao protocolo de consulta a ser desenvolvido pela própria comunidade. De acordo com a recomendação, as consultas às comunidades quilombolas devem ser intermediadas pela Fundação Palmares, Incra, Ministério da Igualdade Racial e pela Coordenação Estadual das Comunidades Negras Quilombolas da Paraíba. Quando se tratar de território indígena, a Funai auxiliará a comunidade indígena impactada a construir o protocolo de consulta e realizar a consulta.

De acordo com a recomendação, não devem ser aceitas consultas conduzidas pelo próprio empreendedor ou terceiros interessados no empreendimento. A consulta livre, prévia e informada também deve considerar a efetiva participação dos povos interessados nos benefícios financeiros que essas atividades produzam, de acordo com o artigo 15 da Convenção 169 da OIT.

Compensação social – Quanto às medidas de compensação social decorrentes dos impactos causados sobre a saúde, a segurança e o bem-estar das comunidades afetadas, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) avançará nos estudos acerca dessas medidas compensatórias e apresentará propostas para implementação das providências em seis meses. Em dezembro de 2023 haverá reunião para tratar dessas medidas.

“Vamos dialogar com as comunidades que já receberam os empreendimentos, analisar todas as iniciativas e investimentos realizados pelas empresas para entender melhor os impactos desses empreendimentos nessas comunidades, no contexto do equilíbrio entre o meio ambiente, o bem-estar social e o desenvolvimento econômico nessas regiões”, informou a secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado da Paraíba, Rafaela Camaraense.

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Licenças já concedidas

A Sudema não suspenderá as licenças já concedidas, ou em processo de concessão e implantação, a empreendimentos localizados em territórios quilombolas, indígenas ou de povos tradicionais que não realizaram a consulta prévia até o momento dessa recomendação. A autarquia estadual também não suspenderá as atividades dos empreendimentos que já estão em processo de instalação sem terem realizado a consulta prévia até que regularizem a situação. A medida recomendada orientava a suspensão das atividades até que a consulta fosse realizada.

Outro item que não foi aceito pelo órgão ambiental dizia respeito à concessão de seis meses para que empreendimentos em operação, porém sem consulta prévia realizada, regularizassem sua situação. Caso a consulta prévia fosse contrária à instalação dos empreendimentos nos territórios tradicionais, a licença deveria ser cassada, situação em que o funcionamento do empreendimento deveria ser suspenso e os equipamentos instalados retirados.

A medida ainda destacava que a consulta prévia seria vinculante para empreendimentos já em funcionamento e, caso o resultado da consulta fosse pela não instalação das usinas, a empresa deveria compensar os danos causados à comunidade com a realização e execução de um Plano de Recuperação de Área Degradada.

A formulação das medidas recomendadas é fruto de discussão que envolveu, além dos órgãos recomendantes, representantes da Sudema, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Coordenação Estadual das Comunidades Negras Quilombolas da Paraíba (Cecneq), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), Centro de Ação Cultural (Centrac), AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Polo da Borborema, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Comitê de Energia Renovável do Semiárido (Cersa).

*Com Assessoria de Comunicação - Ministério Público Federal na Paraíba.

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Cida Alves