De 4 a 6 de setembro de 2023, a "Cúpula Mundial de Bancos Públicos de Desenvolvimento" será realizada em Cartagena, Colômbia, com a presença de mais de 500 instituições do gênero. Juntos, eles respondem por mais de 12% do investimento global.
Essas instituições operam principalmente com o orçamento público, proveniente dos impostos e do trabalho das pessoas em várias partes do mundo. Como instituições estatais, elas têm a obrigação de respeitar e proteger os direitos humanos em suas políticas e operações. E se supõe que deveriam prestar contas ao povo por meio de órgãos de supervisão governamental. Há muito pouca informação disponível, e as pessoas sabem muito pouco sobre esses bancos, muito menos sobre suas estratégias.
Os bancos de desenvolvimento investem no setor privado para obter um maior retorno financeiro. Eles argumentam que as empresas impulsionam o crescimento e o emprego e que, para que isso aconteça, os agentes que as financiam devem assumir riscos, por exemplo, por meio da concessão de empréstimos e de fundos de capital privado.
Os empréstimos dos bancos de desenvolvimento ao setor privado fornecem às empresas garantias que elas usam para levantar milhões adicionais de créditos privados ou de outros bancos de desenvolvimento, geralmente com taxa de juros mais baixas. É assim que os bancos públicos de desenvolvimento desempenham um papel crucial na expansão das corporações no sul global, aumentando seus mercados e sua presença em vários territórios.
Muitas vezes, os empréstimos dos bancos públicos de desenvolvimento contribuem para a concentração de setores produtivos, especialmente do setor agroalimentar. Os empréstimos, por exemplo, são concedidos a empresas nacionais e transnacionais que concentram a produção, a distribuição e a comercialização de alimentos.
Essa cúpula, portanto, constitui um mecanismo para definir formas de aumentar sua influência na região por meio de seus investimentos, o que acaba por agravar a crise ecológica.
Por meio destes investimentos, os bancos públicos internacionais de desenvolvimento sustentam o modelo agroindustrial em benefício das corporações transnacionais. Somente na última década, a Corporação Financeira Internacional (IFC, sigla em inglês) e o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) já emprestaram mais de dois bilhões de dólares, principalmente para mega galpões de criação de porcos e de aves.
Financiamento para criação intensiva de animais
Na América Latina, os bancos de desenvolvimento nacionais e regionais seguem o mesmo padrão global e financiam a agricultura industrial.
No México, uma das maiores fazendas agroindustriais é de propriedade do grupo de criação suína Keken. Esse grupo recebe financiamento dos bancos públicos de desenvolvimento do México por meio do Bancomext, que concedeu mais de 50 milhões de dólares em empréstimos nos últimos anos. Esses empréstimos financiam a expansão destes mega galpões de criação intensiva de porcos, que causam sérios danos aos ecossistemas em Yucatán, onde o protesto social contra a instalação destas granjas vem sendo criminalizado.
No Chile, as granjas de criação intensiva pertencem principalmente à empresa Agrosuper, que recebeu mais de 100 milhões de dólares em financiamento por meio de "títulos verdes" apoiados pelo governo chileno e promovidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID Invest) e por bancos internacionais como o Rabobank da Holanda. Se dizem "verdes", mas este tipo de empréstimo está servindo para expandir o negócio de criação intensiva de salmão, cujos métodos de criação são altamente questionados pelo uso indiscriminado de antibióticos.
A Agrosuper esteve envolvida em conflitos com comunidades camponesas no Atacama, na cidade de Freirina, onde a empresa instalou um megaprojeto de criação intensiva de suínos, gerando fortes impactos devido à emissão de gases, à moscas, à contaminação e envenenamento ambiental. Os constantes protestos da população conseguiram, enfim, fazer com que a empresa fechasse as granjas de criação intensiva nessa área.
No Brasil, a gigante da carne JBS, envolvida em vários escândalos de corrupção, recebeu empréstimos, principalmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A JBS foi, por um tempo, a maior produtora de carne do mundo.
A transnacional BRF, um dos maiores agronegócios intensivos de suínos e aves do mundo, emitiu "títulos verdes" no valor de mais de 500 milhões de dólares para financiar sua expansão. A BRF também recebeu uma linha de crédito do Banco do Brasil (que é público) de cerca de 288 milhões de dólares. Além disso, 22% das ações da empresa pertencem aos fundos de pensão do Banco do Brasil e da Petrobras. A BRF é uma das maiores empresas de criação intensiva do mundo.
Recentemente, a empresa se envolveu em vários escândalos envolvendo corrupção e adulteração de resultados laboratoriais para ocultar a contaminação de lotes de carne com salmonela.
Em geral, os maiores produtores de carne do mundo recebem empréstimos bancos públicos de desenvolvimento, o que lhes permite garantir a expansão e o controle do mercado de carne.
Efeitos dos projetos
A expansão de mega-fábricas de carne produziu sérios efeitos ambientais, econômicos, sociais e de saúde em territórios de camponeses e indígenas. Os dejetos dos animais, os resíduos químicos e os antibióticos usados se infiltram no solo e nas fontes de água locais, gerando o risco de contaminação da água potável e dos ecossistemas aquáticos.
Essas granjas contaminam as fontes de água com resíduos sólidos (excrementos), afetando a disponibilidade de água limpa e segura para a população nas proximidades de onde estão instaladas. A criação intensiva de animais é uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa e outros gases poluentes devido à superlotação e à intensificação da produção. Isso causa a degradação do solo e a perda da agrobiodiversidade, o que afeta a soberania alimentar dos camponeses e dos povos indígenas.
O modelo imposto e consolidado com o financiamento de bancos públicos de desenvolvimento gera uma enorme dependência econômica no mundo rural, uma vez que as empresas de pecuária intensiva controlam toda a cadeia de produção de carne, o que é um grande obstáculo à diversificação econômica da população local. Os produtores de carne em pequena escala são deslocados e os grandes agronegócios concentram a produção.
As comunidades que denunciam os efeitos dessa atividade vêm sendo, em muitos casos, ameaçadas e intimidadas pelas empresas envolvidas na produção massiva de carne. Em 2022, os defensores dos aquíferos Homún, no México, foram ameaçados por exigirem que uma megafábrica interrompesse suas operações. As mega granjas de carne também provocam conflitos e divisões na comunidade, aumentando as tensões entre a população.
Além disso, e de forma mais central, há impactos diferenciados sobre as mulheres, relacionados à intensificação da violência doméstica e sexual, à injustiça climática que leva a impactos agravados sobre sua saúde, ao deslocamento e à perda de seus meios de subsistência.
A criação intensiva geralmente concentra um grande número de animais em espaços pequenos, o que pode facilitar a disseminação de doenças (por meio de zoonoses) ou ser a fonte de novas pandemias, como já aconteceu no passado. Cerca de 60% das doenças infecciosas são transmitidas por animais, especialmente aqueles mantidos em mega galpões.
O uso intensivo de antibióticos nessas fazendas pode contribuir para o desenvolvimento de resistência à eles na comunidade. Atualmente, 73% dos antibióticos usados em todo o mundo são utilizados na criação de animais.
Nas últimas décadas, um grande número de vírus passou dos animais de criação intensiva para os seres humanos. Com origem em mega granjas industriais, a gripe aviária (H5N1) e a gripe suína (H1N1) mataram milhões de aves e porcos e milhares de pessoas. Em La Gloria, no México, a gripe suína adoeceu 60% da população humana local. Esse surto ocorreu na Granjas Carroll, uma fábrica de processamento de suínos de propriedade da Smithfield Foods. Os surtos de coronavírus também se intensificaram no período recente, sofrendo mutações e atingindo seres humanos, como o atual SARS-COV-2, Covid-19.
O que fazer com a cúpula?
Esse tipo de cúpula serve para aumentar a influência dos bancos de desenvolvimento na América Latina, quando, ao contrário, deveria ser um momento para questionar o papel que esses bancos desempenham nas múltiplas crises que afetam o continente. Deveria ser um momento para pressionar por mecanismos de investimento público que não sejam aqueles voltados para as corporações.
Os bancos públicos de desenvolvimento devem parar imediatamente de financiar empresas do agronegócio, especialmente aquelas envolvidas na produção massiva de carne.
É fundamental a criação de um mecanismo de denúncia e reparação para as comunidades que já sofreram os efeitos dessas atividades em seus territórios.
Além disso, mecanismos de financiamento totalmente públicos e transparentes devem ser gerados para apoiar os esforços populares na construção da soberania alimentar e proteção e restauração dos ecossistemas diante da crise climática.
Segue uma seleção das principais empresas de carne presentes na América Latina que obtiveram empréstimos de bancos públicos de desenvolvimento nos últimos anos:
- JBS (Brasil): obteve empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
- Tyson Foods (Estados Unidos): empréstimo do Banco de Desenvolvimento dos Estados Unidos / Reserva Federal;
- BRF (Brasil): empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
- Smithfield Foods (Estados Unidos): empréstimo do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento;
- Industrias Bachoco (México): Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
* Grain é uma pequena organização internacional sem fins lucrativos que trabalha para apoiar pequenos agricultores, camponeses e movimentos sociais para construção de sistemas alimentares a partir do controle comunitário da biodiversidade e dos territórios.
** Texto publicado originalmente em espanhol no portal Desinformémonos
*** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas