construção histórica

7 de setembro: independência e democracia

Se não há coerência histórica em se atribuir a independência a um herói, tampouco é coerente desprezar a data

Brasília (DF) |
Exposto no Museu do Ipiranga, em São Paulo, quadro “Independência ou Morte!”, de Pedro Américo, impõe um Dom Pedro heroico ao 7 de setembro - Rovena Rosa/Agência Brasil

O Brasil foi o último país da América Latina a proclamar sua independência. Em 7 de setembro de 1822, rompeu com Portugal, encerrando o domínio colonial que durava séculos. Metade da população começou a ser considerada "brasileira", já que a outra metade era composta de estrangeiros na condição de escravos, não sendo, portanto, reconhecidos como cidadãos.

Evidentemente, como todo fato histórico, há uma disputa de narrativa a ser feita em torno da data, que deve ser observada de forma crítica. Se não se pode identificar com coerência histórica o evento a partir do quadro feito pelo artista Pedro Américo 50 anos depois dos fatos, alegoricamente impondo um Dom Pedro heroico sobre o cavalo branco no brado “independência ou morte”, tampouco é coerente desprezar a data como se não tivesse importância o rompimento de laços com o país colonizador.

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Compreender a construção histórica que nos trouxe ao 7 de setembro implica buscar entender qual era a situação de Brasil e Portugal no início do século 19, mergulhar na leitura da efervescência política e os vários interesses presentes, inclusive da elite brasileira interessada na independência, com fortes influências europeias de diversas correntes.

O fato, por si só, da continuidade da monarquia com um imperador português no trono é desabonador de uma história libertária. Assim como a manutenção da escravidão e dos privilégios dos proprietários de terras.

Contudo, não será questionando o feriado do calendário que daremos um passo adiante de ressignificação da data, sobretudo nos tempos atuais.

O bolsonarismo operou uma apropriação dos símbolos nacionais como a camisa da seleção de futebol, a bandeira e as datas, na retórica de amor à Pátria. O que, a propósito, é muito típico de regimes radicais de extrema-direita em âmbito mundial, que usam os símbolos como se representassem suas ideologias, ao tempo em que praticam atentados criminosos às instituições democrática, de que foi melhor exemplo o dia 08 de janeiro de 2023.

Com o tema Democracia, Soberania e União, o governo federal lançou uma campanha pela comemoração do Dia da Independência, usando as cores e os símbolos nacionais, o que tem significado importante para romper a lógica da associação aos apoiadores do ex-presidente. 

A polarização política forjada em um patriotismo deturpado pode e deve ser desmascarada com manifestações concretas de que a identidade nacional não tem donos, não pode ter roupagem partidária ou política. O verdadeiro patriotismo se efetiva na defesa das instituições democráticas e da Constituição federal.

 

*Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB). Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Secretária executiva adjunta  da Secretaria-Geral da Presidência da República.

** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas