Sou um contador de histórias, e as minhas narrativas obedecem a um tempo contabilizado de dez em dez anos da minha vida; só na Amazônia amapaense, já contabilizo mais de 20 anos de vivência e resistência. Nos primeiros dez anos, o território amazônico me atravessou de diversas formas. A imponência da floresta amazônica é algo inexplicável. Diante de tanta exuberância, a vida me parece inteiramente concluída. As riquezas da floresta, da cultura, dos povos tradicionais e dos povos originários estão ameaçadas e o território amazônico é hoje uma questão de retomada.
Desde que cheguei a esse território, já fui fazendo parte de uma ação de fortalecimento das comunidades quilombolas na criação do Conselho das Comunidades Afrodescendentes do Amapá. Naquela época, já estávamos pensando em fortalecer os quilombos para o enfrentamento social da geração de renda, sustentabilidade com a missão de organizar as comunidades para a formação do conselho e no combate, sobretudo, do racismo ambiental que as comunidades quilombolas vivem ainda hoje. Além disso, as opressões e as retiradas de direitos foram muito maiores nos últimos dez anos.
Foi preciso abrir diálogo com os governos e os quilombos, em redes junto aos outros estados da Amazônia Legal, para pensar a floresta, as nascentes dos rios e a biodiversidade como um bem maior que precisa ser preservado por respeito aos povos originários, aos povos quilombolas, sejam eles da floresta, do campo, das águas ou da cidade por respeito a humanidade.
Dados do Instituto Escolhas revelam que o garimpo de ouro na Amazônia cresceu mais de 90% em oito anos. A área afetada passou de 79,2 mil hectares, em 2013, para 151,7 mil hectares em 2021. Além disso, um estudo divulgado pela Fiocruz este ano mostra que 21,3% dos peixes comercializados nos principais centros urbanos da Amazônia apresentam níveis de contaminação por mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em alguns estados, uma doença já erradicada chamada urina preta volta a promover mortes por intoxicação alimentar, oriunda do consumo de peixe dos rios. Parece um retrocesso.
Diante de tanta destruição e contaminação, o território amazônico passa por uma extrema fragilidade socioambiental e política. É preciso que haja uma retomada das políticas de valorização das culturas locais, apoio a projetos que potencializam as ações de preservação do meio ambiente, oriundo de movimentos sociais, assim como mobilizar todo povo brasileiro para as lutas dos povos amazônidas, a fim de garantir a luta por justiça climática, por direito a terra, por segurança alimentar.
De acordo com o censo de 2022, feito pelo IBGE, a população indígena chegou a 1.693.535 no Brasil, o que representa 0,83% do total de habitantes. Desse total, 51,2% estão concentrados na Amazônia Legal. Ao olharmos para o censo anterior, em 2010, que contou 896.917, houve um crescimento de quase 89%.
Além disso, faço parte do Coletivo Amazonizando, que tem a intenção de salvaguardar e amplificar as narrativas e tradições dos povos amazônidas. Quando pensamos nos costumes, nas tradições, na complexidade social, autonomia alimentar, nas práticas de locomoção, temos uma certeza: não há nada mais potente do que preservar a sabedoria e a cultura dos povos amazônidas, pois eles são os mais preparados para preservar a biodiversidade da floresta, das águas. A capacidade organizacional desses povos prevê, sobretudo, o bem querer e o bem viver de toda a humanidade. Quando se é garantida a soberania dos povos da Amazônia, manter a floresta de pé torna-se uma tarefa fácil.
*Mestre Ivamar é ator, pesquisador, griô quilombola e escritor. Além disso, é uma das principais referências da cultura quilombola no Brasil e fundou em 2016, ao lado do seu filho Felipe Melhor e Suane Brazão, o Coletivo Artístico Amazonizando, que fomenta as tradições e narrativas amazônicas, tendo a cultura do Marabaixo como sua maior expressão.
** As opiniões contidas nesse artigo não refletem necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Thalita Pires