Multipolaridade

Na China, vice-presidenta da Venezuela visita Banco do Brics e se reúne com Dilma Rousseff

Encontro acontece após anúncio de expansão do bloco; Caracas já manifestou interesse em aderir ao grupo e ao banco

Caracas (Venezuela) |
Delcy Rodríguez e Dilma Rousseff se reuniram em Xangai nesta quarta-feira (06) - Prensa presidencial

Em visita oficial à China, a vice-presidenta da Venezuela, Delcy Rodríguez, se reuniu nesta quarta-feira (6) com Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês).

Segundo comunicado emitido pelo governo venezuelano, o encontro serviu para "abordar temas de interesse que apontam para fortalecer as distintas áreas energéticas e comerciais". O presidente da estatal petroleira da Venezuela PDVSA e ministro do Petróleo, Pedro Tellechea, também participou da reunião.

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Pelas redes sociais, a vice-presidenta classificou a visita como uma "cordial reunião" em busca do "fortalecimento da cooperação sul-sul".

"Em nome do presidente Nicolás Maduro, reiteramos o compromisso do governo bolivariano da Venezuela para contribuir com o fortalecimento da cooperação sul-sul. Acreditamos na construção de uma nova arquitetura financeira global", disse.

Já o deputado Nicolás Maduro Guerra, que também compõe a comitiva de Rodríguez e esteve presente da reunião com Dilma, afirmou que o encontro serviu para "conhecer os mecanismos de financiamento, a nova arquitetura financeira e para ratificar a vontade da Venezuela de se incorporar a essa instância".

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A vista de Rodríguez a Xangai e ao Banco do Brics ocorre dias após a última cúpula do bloco na qual os membros concordaram em expandir o grupo e aceitaram a entrada de outros seis países. A Venezuela já havia expressado suas intenções de fazer parte do Brics em agosto, quando o presidente Nicolás Maduro confirmou a proposta formal do país ao bloco.

Para a economista venezuelana Katisuka López, o encontro de Delcy e Dilma poderia significar "a busca de financiamento, cooperação e apoio técnico a projetos de infraestrutura, que resultariam em investimentos para a Venezuela".

"Uma aproximação e possível entrada do país no banco seria uma grande oportunidade, porque além de contar com uma instituição dessa envergadura, teria o apoio de uma pessoa que conhece a realidade venezuelana, a ex-presidenta Dilma Rousseff.", diz ao Brasil de Fato.

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Alvo de mais de 900 sanções, Caracas enfrenta uma crise na indústria petroleira, a principal fonte de divisas do país, após ter suas exportações praticamente paralisadas pelo bloqueio imposto pelos EUA. A queda nos ingressos, a escassez de dólares e a impossibilidade de realizar pagamentos no sistema financeiro internacional gerou diversas turbulências econômicas no país.

López afirma que uma possível adesão da Venezuela ao NDB poderia trazer alívios financeiros a Caracas já que ajudaria o país a depender menos da moeda estadunidense para realizar negociações com outros países.

"O fato de a maior parte das instituições financeiras multilaterais estarem controladas pela Europa e pelos EUA faz com que seja praticamente impossível para um país como a Venezuela obter créditos junto a esses órgãos como FMI, Banco Mundial e BID", afirma.

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A abertura de linhas de crédito para a Venezuela realizar projetos de infraestrutura seria, na opinião da economista, uma maneira pela qual o país pode voltar a crescer e estabilizar a crise iniciada em 2014.

"Se esses projetos de investimentos gerarem empregos, haverá uma circulação interna de recursos que pode permitir uma melhora gradual na situação econômica. Estabilidade monetária, melhoria salarial, créditos para produtores, controle da inflação, enfim, poderia gerar um efeito dominó que implique em um saída da crise", diz.

Possível acordo petroleiro?

Após a chegada da vice-presidente venezuelana à China nesta terça-feira, a agência Bloomberg disse que a viagem serviria para a captação de recursos para a indústria petroleira. Citando fontes anônimas, o portal afirmou que a missão deverá negociar a criação de possíveis empresas mistas entre a PDVSA e Pequim.

Atualmente, a China é um dos principais clientes do petróleo venezuelano, mas deixou de ter participação direta na produção interna. Além disso, os altos riscos envolvendo a compra do produto venezuelano fazem com que ele seja vendido com descontos, muito abaixo do preço internacional.

Segundo o último relatório da OPEP, a Venezuela produziu em agosto cerca de 800 mil barris de petróleo por dia. A cifra cresceu após a licença concedida pelos EUA a gigante energética Chevron, que voltou a operar as plantas mistas que possui no país com capacidade para produzir 200 mil barris ao dia.

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Para o sociólogo venezuelano Ociel López, é improvável que Pequim aceite algum acordo petroleiro com a Venezuela pois "as parceiras com a Arábia Saudita são muito mais vantajosas para o país asiático".

O professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) ainda acredita que a viagem de Rodríguez e possíveis conversas sobre acordos no setor energético "serviria também para pressionar os estadunidenses, que agora voltaram a se beneficiar da produção venezuelana".

Venezuela no Brics

Antes mesmo de confirmar o envio de uma proposta formal, Maduro já havia mencionado as intenções de levar a Venezuela ao Brics em maio, quando visitou Brasília e se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Na ocasião, o venezuelano classificou o bloco como um "elemento avançado" na construção do que chamou de "mundo novo, multipolar". Já Lula disse ser favorável à entrada da Venezuela, mas que a decisão dependeria dos outros membros.

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Ao Brasil de Fato, o deputado Jesús Faria, presidente da Comissão de Economia da Assembleia Nacional, disse que o país encara com otimismo a possibilidade de ingresso ao Brics, pois "temos muita coisa para acrescentar".

"Não falo somente de petróleo, mas também de um exemplo de resistência contra todos os atropelos de uma ordem econômica mundial vigente e isso é precisamente o que o Brics quer substituir, com seus princípios de cooperação, respeito à autodeterminação", disse.

Pata o parlamentar, os aspectos políticos do bloco também são importantes pois significariam uma "autoridade moral das nações e fazem parte na nossa visão sobre a multipolaridade".

Edição: Thales Schmidt